Conheci pessoalmente Jacques Delors corria o ano de 1989 quando, após a minha formatura, fui estudar para o Colégio da Europa, durante um ano, na magnífica cidade de Brugges, na Bélgica. A sua morte para mim foi um choque grande, apesar da distância e do tempo já passado.

Naquele ano, o então Presidente da Comissão Europeia inaugurava oficialmente o período de aulas fazendo um fabuloso discurso, ainda hoje lembrado, sobre o alargamento das novas competências da então Comunidade Económica Europeia na direção do Mercado Único com a alteração dos tratados no sentido da introdução da Liberdade da Circulação de Mercadorias, Serviços, Capitais e Pessoas, além de se ter referido abundantemente também ao principio da subsidiariedade.

Depois da cerimónia, ficamos a conversar algum tempo, acompanhado de alguns dos meus colegas, num dos cafés na Grote Markt – a magnífica Praça Central de Brugges – onde percebi a grande fé de Delors na Europa, no então governo de Portugal, na admiração e estima pelo Professor Cavaco Silva tendo-me até perguntado se eu achava se Portugal poderia estar a desenvolver tanto sem a integração europeia.

Percebi também que era um socialista muito diferente dos socialistas portugueses, uma vez que entendia que a Europa só se poderia unir se tivesse uma dimensão económica e de desenvolvimento que trouxesse maior qualidade de vida aos seus povos e que, só depois disso alcançado, poderia ter verdadeiramente uma dimensão social.

Ou seja, para Jaques Delores, a primazia do económico era essencial sobre o social uma vez que sem aquele, este seria impossível ou muito mais difícil de alcançar. Primeiro cria-se a riqueza e só depois se distribuiu.

A recente bancarrota socialista e o sacrifício que a mesma originou aos portugueses é bem o acerto do pensamento do Presidente da Comissão.

A União Europeia como hoje a conhecemos foi precedida inicialmente pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a C.E.C.A., criada graças à visão estadista do pós guerra de Jean Monnet que conseguiu convencer os chefes de estado dos principais produtores europeus do carvão, ferro e do aço – matérias primas essenciais para a industria da guerra de então – a unirem-se no seu fabrico e comércio com o intuito de, através da atividade económica conjunta, evitarem novos conflitos bélicos europeus.

Da mesma maneira, anos mais tarde, foi criada a Comunidade Económica Europeia que veio a determinar o fim da C.E.C.A. com o objetivo de alargar ainda mais a integração económica entre os povos da Europa para o desenvolvimento dos seus povos.

Na ocasião os embates políticos entre Delors e a Margaret Tatcher, então Primeira Ministra do Reino Unido, eram frequentes devido à maior integração e políticas comuns que Delors pretendia para a C.E.E. e ao maior distanciamento e maior preservação de soberania que a Chefe de Estado inglesa defendia para os países constituintes do bloco percursor da União Europeia. E nós, estudantes, perto do local onde tudo se debatia, assistíamos com grande gozo a isso tudo.

Magaret Tatcher, talvez sem o saber, estava a algum tempo da sua saída do poder e o Muro de Berlim estava prestes a ser derrubado, marcando a grande derrota da ideologia comunista no mundo mas ainda com apoios e até simpatias – pasme-se! – na área dos socialistas democráticos.

Jaques Delors, naquela conversa de café no final de tarde de um dia nebuloso, também nos transmitiu a sua certeza que a Comunidade Económica Europeia, então a doze, iria aumentar muito o número dos seus Estados Membros e seria também um dos pilares da democracia e do desenvolvimento económico do mundo.

Naquela altura a Europa era dirigida pelo eixo franco-alemão, pelos países que mais se guerrearam na Segunda Guerra Mundial e quer o socialista Mitterrand quer o democrata cristão Kohl conseguiam transmitir uma confiança, um sentimento de progresso, uma certeza no caminho a seguir, uma crença na democracia imparável para a sua época..

Penso muitas vezes em Jaques Delors, que só não foi Presidente da França porque não quis e penso, também muitas vezes, naquela conversa que tivemos.

Sei é que Portugal não pode errar mais e não pode continuar a ter governos que nos empobrecem como nos últimos anos ou iludir-se com profetas de promessas falsas dado que o custo futuro será muito, mesmo muito caro para todos.

Necessitamos para Portugal da mesma clarividência de Jaques Delores adaptada aos nossos dias e pararmos com este caminho de atraso.

QOSHE - Jacques Delors e o exemplo para Portugal - Joaquim Barbosa
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Jacques Delors e o exemplo para Portugal

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17.01.2024

Conheci pessoalmente Jacques Delors corria o ano de 1989 quando, após a minha formatura, fui estudar para o Colégio da Europa, durante um ano, na magnífica cidade de Brugges, na Bélgica. A sua morte para mim foi um choque grande, apesar da distância e do tempo já passado.

Naquele ano, o então Presidente da Comissão Europeia inaugurava oficialmente o período de aulas fazendo um fabuloso discurso, ainda hoje lembrado, sobre o alargamento das novas competências da então Comunidade Económica Europeia na direção do Mercado Único com a alteração dos tratados no sentido da introdução da Liberdade da Circulação de Mercadorias, Serviços, Capitais e Pessoas, além de se ter referido abundantemente também ao principio da subsidiariedade.

Depois da cerimónia, ficamos a conversar algum tempo, acompanhado de alguns dos meus colegas, num dos cafés na Grote Markt – a magnífica Praça Central de Brugges – onde percebi a grande fé de Delors na Europa, no então governo de Portugal, na admiração e estima pelo Professor Cavaco Silva tendo-me até perguntado se eu achava se Portugal poderia estar a desenvolver tanto sem a........

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