O discurso do rei Mohamed VI, de Marrocos, de 6 de novembro último, a propósito do 48.º aniversário da Marcha Verde, marcou uma nova prioridade na política externa marroquina, o Atlântico! Porquê?

Porque com cerca de 2500km de frente atlântica, não pode viver de costas voltadas para este mar, porque tem projectada a construção de um "gasoduto de cabotagem" desde a Nigéria até Tânger e precisa de financiamento. Construção esta da qual depende a futura produção e viabilidade de Sines, enquanto polo de referência mundial na produção de hidrogénio verde. Porque tem uma relação privilegiada com os americanos, cujos anticorpos criados em África os obrigam a procurar parceiros regionais credíveis e de preferência com aqueles pergaminhos da idiossincrasia dos povos, que os americanos já perceberam que não podem ignorar. Ora uma monarquia liderada por um descendente directo do Profeta Maomé, que lhe dá o direito ao título de Amir al-Mu"minin, Líder dos Crentes, uma espécie de "Papado islâmico de direito natural" do Estreito até ao Golfo da Guiné. O mesmo título também serve para a abordagem ecuménica, já que crentes somos todos. Uma prospectiva win-win para os americanos.

A profundidade estratégica que o Brazão da Dinastia Alauita permite, mais a referência histórica que o Grande Marrocos representa em toda esta "alça de terra até ao gatilho", que África representa a apontar para baixo, dá uma considerável vantagem a Marrocos, num Sahel golpista, cujo interlocutor francófono foi substituído pelos russos e numa CEDEAO (África Ocidental) a ficar partida ao meio, em simultâneo com o falhanço do G5-Sahel. Os americanos para poderem influenciar a equação sahelo-sahariana, necessitam da influência e bons serviços marroquinos, perante a tendência pró-russa desde o golpe no Mali, em agosto de 2020.

Organizar o Campeonato do Mundo de futebol em 2030, com Marrocos e Espanha ganha uma dimensão política e estratégica para Portugal, dentro do contexto macro do pós-guerra, pós-dependência energética da Rússia, nova dimensão mediterrânica de Portugal.

Este avanço atlântico é também mais uma frente para a consolidação do Sahara Marroquino, com o mencionado gasoduto a passar-lhe mesmo "à frente do nariz", selo atlântico de soberania marroquina, validada por todos os investidores nesta vontade de trazer o gás natural da Nigéria para a Europa, ficando a primeira com "o poder da torneira"! A construção de um porto de águas profundas em Dakhla, será a porta de entrada para a hinterlândia saheliana, de momento em transe e sem acesso ao mar. É aqui que Portugal poderá apanhar boleia marroquina, para este "teatro africano" não tradicional para Portugal, cujos primeiros lançados nesta África foram militares da GNR, através do GARSI-Sahel, o Grupo de Acção Rápida, Vigilância e Intervenção, quando o G5-Sahel estava a "bombar", ainda em 2020, o que coincidiu com a tentativa de "desafrancesar" a Operação Barkhane, europeizando a "Task-Force Takuba". Esta nova prioridade atlântica de Marrocos, vem ao encontro da prioridade nacional atlantista, com que sempre orientamos o selo das nossas decisões internacionais. É por isso que organizar o Campeonato do Mundo de Futebol em 2030, com Marrocos e Espanha ganha uma dimensão política e estratégica para Portugal, dentro do contexto macro do pós-guerra, pós-dependência energética da Rússia, nova dimensão mediterrânica de Portugal. Para conseguir esta última, terá de ir "às cavalitas de Marrocos". Como? Engajando-se a fundo com este no Atlântico. E o brinde deste Bolo Rei, será uma porta de entrada para uma dimensão saheliana, encurtando rapidamente os 200/300 anos que temos de atraso na região, para franceses e espanhóis!

Com votos de um Próspero Ano Novo, a si, que me considera e me lê até ao fim!

Politólogo/arabista
www.maghreb-machrek.pt

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Um Marrocos atlântico, a porta de entrada de Portugal para a dimensão mediterrânica e saheliana!

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30.12.2023

O discurso do rei Mohamed VI, de Marrocos, de 6 de novembro último, a propósito do 48.º aniversário da Marcha Verde, marcou uma nova prioridade na política externa marroquina, o Atlântico! Porquê?

Porque com cerca de 2500km de frente atlântica, não pode viver de costas voltadas para este mar, porque tem projectada a construção de um "gasoduto de cabotagem" desde a Nigéria até Tânger e precisa de financiamento. Construção esta da qual depende a futura produção e viabilidade de Sines, enquanto polo de referência mundial na produção de hidrogénio verde. Porque tem uma relação privilegiada com os americanos, cujos anticorpos criados em África os obrigam a procurar parceiros regionais credíveis e de preferência com aqueles pergaminhos da idiossincrasia dos povos, que os americanos já perceberam que não podem ignorar. Ora uma monarquia liderada por um descendente directo do Profeta Maomé, que lhe dá o direito ao título de Amir al-Mu"minin, Líder........

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