Domingo passado deu-se mais uma tentativa de golpe na África Ocidental. Vinte e um mortos e treze militares e um civil detidos, são os números mais redondos desta afronta à presidência de Julius Maada Bio, que não é de agora. Desde a reeleição deste em junho último que a contestação tem vindo num crescendo, com argumento no relatório ao processo eleitoral feito pelos Observadores Internacionais da União Europeia e dos Estados Unidos da América. "Falta de transparência na reeleição de Julius Maada Bio", é a conclusão consensual dos observadores, facto que tem alimentado as ambições do líder da oposição, Samura Kamara, do Congresso de Todo o Povo.

A Serra Leoa é dos países africanos cuja débil economia (oficial e paralela) mais sofreu com a pandemia e o pós-pandemia, adensando as tensões sociais. Logo em julho, um mês após a reeleição, um número indeterminado de militares e civis foram detidos, acusados de uma primeira intentona, logo a começar o segundo semestre do corrente ano. Encravada entre a também golpista República da Guiné (que passaremos a designar por Guiné-Conacri) e a Libéria, a Serra Leoa pertence àquela África mais pulverizada em etnias e suseranias de umas para as outras, em pirâmide e de certa forma ao jeito soviete. Enquadrada na Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), viu de imediato o apoio e prevenção desta, já que a concretizar-se um golpe na Serra Leoa, o número de estados golpistas aumentaria para cinco, correndo-se o risco de Freetown, a capital leonesa se alinhar com Níger, Mali e Burquina Faso na recém criada Aliança de Defesa no Sahel (Guiné-Conacri não aderiu), um "G3 alternativo" ao original G5-Sahel, a aliança de defesa constituída por Mauritânia, Mali, Níger, Burquina Faso e Chade, que se foi partindo ao meio a partir do golpe no Mali em agosto de 2020.

A CEDEAO, muito criticada pelos "dois pesos e duas medidas" ao longo da gestão dos golpes no Mali, Níger, Burquina e Guiné-Conacri, mais o mais que provável parricídio no Chade, de Mahamat Déby Itno sobre seu pai, Idriss Déby, esteve "histericamente de prevenção" durante julho e agosto ameaçando uma intervenção militar após o golpe no Níger, demonstração de força na tentativa de não perder a mão dos acontecimentos, cujo efeito dominó poderia no limite alavancar números que permitam a criação de uma "CEDEAO dentro da CEDEAO", como a Aliança de Defesa no Sahel (ADS) potencialmente poderá sugerir.

No caso da Serra Leoa, sem continuidade territorial com estados da ADS, mas com acesso ao mar, é sempre um activo imprescindível perante os isolados da hinterlândia. Uma Serra Leoa golpista, reforçaria a linha de costa da Guiné-Conacri na lógica do Tenente-Coronel Mamady Doumbouya, a partir de Conacri, aderir à ADS enquanto peça do puzzle territorial que falta para dar continuidade territorial de Niamey ao Atlântico e minar ainda mais a CEDEAO por dentro!

Politólogo/Arabista

www.maghreb-machrek.pt (em reparação)

QOSHE - Serra Leoa – Intentona 2023 - Raúl M. Braga Pires
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Serra Leoa – Intentona 2023

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01.12.2023

Domingo passado deu-se mais uma tentativa de golpe na África Ocidental. Vinte e um mortos e treze militares e um civil detidos, são os números mais redondos desta afronta à presidência de Julius Maada Bio, que não é de agora. Desde a reeleição deste em junho último que a contestação tem vindo num crescendo, com argumento no relatório ao processo eleitoral feito pelos Observadores Internacionais da União Europeia e dos Estados Unidos da América. "Falta de transparência na reeleição de Julius Maada Bio", é a conclusão consensual dos observadores, facto que tem alimentado as ambições do líder da oposição, Samura Kamara, do Congresso de Todo o Povo.

A Serra Leoa é dos países africanos cuja débil economia (oficial e paralela) mais........

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