O “lance africano” mais comentado da semana, à parte dos jogos da CAN 23, foi o anúncio da retirada dos três membros da recém-criada Aliança dos Estados do Sahel (AES), os golpistas Mali, Burquina e Níger, do seio da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO para os francófonos, ECOWAS para os anglófonos). No fundo, os três golpistas retiraram-se da “CEE dos 15 da África Ocidental”, dos quais em 8 circula uma Moeda Única o Franco CFA (Colónias Francesas em África), uma “marca-de-água” da descolonização francesa! Dos porquês desta cisão:

Primeiro, é da referida “marca-de-água” que Mali, Burquina e Níger “fogem”. Melhor, rejeitam, enquanto perpetuar da relação neocolonial em todo o seu esplendor económico, monetário, político-diplomático, jurídico, cultural, associativo e burocrático. No fundo, arrancar as raízes da presença europeia, leia-se francesa. “Sob influência de potencias estrangeiras, a CEDEAO traiu os seus princípios fundadores e tornou-se numa ameaça para os seus estados membros e suas populações”, lê-se no comunicado conjunto, emitido em simultâneo no telejornal das 20h destes três países;

Segundo, o regresso das fardas e das armas do ex-colonizador (Operação Serval-2013 e Operação Barkhane-2014/22) a terras libertadas pelo ex-colonizado, representou o regresso de um fantasma ainda por enterrar. É esta a mola inicial para o alavancar do sentimento antifrancês que alastrou à região e permitiram uma onda de golpes desde agosto de 2020;

Terceiro, porque desde o início da guerra na Ucrânia que o “jogo”, o paradigma, mudou do “multilateralismo hegemónico (americano)”, para uma “bipolaridade tripolar”, com Ocidente versus Rússia e China. Num flash à Back to the Future, África volta a ser o palco que já foi na disputa da “nova-velha geoestratégia”, apenas com mais competidores. A este propósito e dada a complexidade e importância do tema, sugiro leitura atenta da crónica desta semana do colega DN Walter Medeiros, intitulada “A Mudança da Relação China/África: A Geopolítica está a substituir a Economia”.

Repercussões deste “fora-de-jogo”!

Em rigor Mali, Burquina e Níger, apresentaram na quarta-feira 28 uma “carta de intensões”, que só será activada dentro de um ano, oficializando a ruptura. Até lá, qualquer um dos países pode retirar a carta e continuar membro da CEDEAO. Tratando-se de três países sem acesso ao mar, dependentes maioritariamente do porto de Dakar, mas também de Nouakchott, na Mauritânia, é possível que as respectivas populações passem a sentir nos mercados, a falta de certos produtos, a chegarem mais caros, já que o “refractário” perde o direito às taxas aduaneiras preferenciais da “CEE da África Ocidental”. No mesmo registo, a circulação dos nacionais destes três, perdem também a isenção de vistos para os restantes países CEDEAO. Para quem não tem acesso ao mar, terão que surgir alternativas para preencher este vazio. Os russos estão no terreno e os marroquinos querem fazer de Dakhla a porta de acesso ao Atlântico desta hinterlândia tradicionalmente sustentada/equilibrada pela Argélia. Cá está um contexto de “guerra fria micro”, centrada no Magrebe/Sahel e integrada na “guerra fria macro” que grassa de novo pelo Continente!

Por último, o principal constrangimento/desafio é pertencerem também à UEMOA, a União Económica e Monetária da África Ocidental. A AES, os três em análise, já deram sinais de quererem criar uma nova moeda única, em substituição do Franco CFA. Caso o consigam, podemos estar a assistir à génese de uma CEDEAO Renovada, assente num “rublo africano”!

Politólogo/Arabista

www.maghreb-machrek.pt (em reparação)

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O “brexit da CEDEAO”!

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02.02.2024

O “lance africano” mais comentado da semana, à parte dos jogos da CAN 23, foi o anúncio da retirada dos três membros da recém-criada Aliança dos Estados do Sahel (AES), os golpistas Mali, Burquina e Níger, do seio da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO para os francófonos, ECOWAS para os anglófonos). No fundo, os três golpistas retiraram-se da “CEE dos 15 da África Ocidental”, dos quais em 8 circula uma Moeda Única o Franco CFA (Colónias Francesas em África), uma “marca-de-água” da descolonização francesa! Dos porquês desta cisão:

Primeiro, é da referida “marca-de-água” que Mali, Burquina e Níger “fogem”. Melhor, rejeitam, enquanto perpetuar da relação neocolonial em todo o seu esplendor económico, monetário, político-diplomático, jurídico, cultural, associativo e burocrático. No fundo, arrancar as raízes da presença europeia, leia-se francesa. “Sob influência de potencias........

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