Os dois principais motores do chamado Pequeno Magrebe, Marrocos e Argélia dão-nos sempre novidades semanais na disputa que travam pela soberania do Sahara (ocidental) e que agora se estende Sahel adentro, numa também normal disputa de influência regional de uma vasta zona, sem acesso ao mar, tradicional e pós-colonialmente controlada pela Argélia. Esta foi perdendo controlo e influência no Mali/Sahel pelo arrastar dos quatro mandatos do presidente (PR) Bouteflika, o que correspondeu ao agudizar do seu estado de saúde e do mirrar da sua capacidade de acção. Mais a Primavera Árabe, o fim do regime Kadhafi e o regresso da guarda pretoriana deste, “os tuaregues” lato sensu, ao Mali, mais a proliferação de pequenos grupos em armas que se foram afiliando à Al-Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI). Ao longo de 2011/12, os “tais tuaregues”, em desespero de causa, aliaram-se ao Ansar Dine de Iyad Ghali, um afiliado do AQMI, o que obrigou o PR Hollande (França) a acionar a Operação Serval, em janeiro de 2013. De forma resumida, foi assim que a Presidência Bouteflika foi perdendo influência “no seu próprio quintal das traseiras”!

Um exemplo prático do ascendente marroquino durante a passada década, foi a investidura presidencial de Ibrahim Bubacar Keita no Mali em 2013. O Rei de Marrocos vai uma semana antes e fica mais uma semana após a investidura a “passear influência” e charme pelo país. A Argélia enviou o embaixador em Bamako para a cerimónia, devido ao estado debilitado do seu PR. Até parece “ficção diplomática”!

Dentro desta disputa saheliana, a Argélia decretou mais uma sanção visando Marrocos, mas que terá um calculado “efeito boomerang”! Por partes, primeiro, no mesmo dia em que o Alto Conselho de Segurança da Argélia se reuniu, a 10 de janeiro, foi anunciado que o sistema bancário argelino passará “a censurar”, leia-se não pagar, aos transitários cujo transporte de mercadorias com destino à Argélia passem por portos marroquinos, quer haja transbordo das mesmas, ou simples paragem do navio para reabastecer, por exemplo!

O que é que isto tem a ver com o Sahel? A interpretação marroquina é a de se tratar de resposta à prioridade Atlântica que o discurso real do seis de novembro definiu. No mesmo, o Rei Mohamed VI releva a importância e urgência na construção do porto de Dakhla, enquanto futuro acesso privilegiado para abastecimentos e ao mar, dos sahelianos isolados (Mali, Burquina, Níger, Chade).

O “efeito boomerang” da medida argelina, prende-se com o facto de ser residual a quantidade de abastecimentos com destino à Argélia serem transbordados em Tânger. Serão os bancos argelinos a ficarem com o ónus de terem de verificar entrega a entrega, a origem e percurso do produto. Quanto aos transitários/navios que não transbordam mas aportam no TângerMed, por exemplo, passarão a encarecer o frete perante a exigência argelina!

Compreendo esta Guerra Fria, mas também prospectivo o potencial de um “Pequeno Magrebe Grande”, que futuramente poderá combinar matérias-primas de uns, com energia de outros na transformação. Exemplo, os famosos fosfatos das Províncias Sul de Marrocos têm de atravessar o Atlântico para serem transformados em adubos. Caso os hidrocarbonetos argelinos assumissem ali ao lado essa transformação, o preço do adubo e outros químicos agrícolas, seria cinco vezes menor nas prateleiras dos “Akis desta vida”!


Politólogo/arabista
www.maghreb-machrek.pt

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Guerra Fria no Magrebe e o “efeito boomerang”!

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20.01.2024

Os dois principais motores do chamado Pequeno Magrebe, Marrocos e Argélia dão-nos sempre novidades semanais na disputa que travam pela soberania do Sahara (ocidental) e que agora se estende Sahel adentro, numa também normal disputa de influência regional de uma vasta zona, sem acesso ao mar, tradicional e pós-colonialmente controlada pela Argélia. Esta foi perdendo controlo e influência no Mali/Sahel pelo arrastar dos quatro mandatos do presidente (PR) Bouteflika, o que correspondeu ao agudizar do seu estado de saúde e do mirrar da sua capacidade de acção. Mais a Primavera Árabe, o fim do regime Kadhafi e o regresso da guarda pretoriana deste, “os tuaregues” lato sensu, ao Mali, mais a proliferação de pequenos grupos em armas que se foram afiliando à Al-Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI). Ao longo de 2011/12, os “tais tuaregues”, em desespero de causa, aliaram-se ao........

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