Entrámos na maratona de debates -- todos com o tempo muito bem contadinho para os telespectadores não perderem a atenção -- e confesso que me apetecia escrever sobre todos. Decidi, também para os caros leitores não perderem o foco, atribuir prémios ao esforço notável de cada candidato.

Prémio Paredes de Vidro

Já aqui escrevi, há umas semanas, sobre a metamorfose quase kafkiana de Pedro Nuno Santos -- já não é jovem turco; é senhor inglês. Mas parecia que Pedro Nuno tinha sido posto num colete de forças durante o debate com o líder da Iniciativa Liberal. É que o esforço para parecer ajuizado é notório: só faltava morder a língua em directo.

O equilibrismo tem destas coisas -- e a tentativa de parecer mais responsável não pode custar-lhe a garra que o catapultou para a liderança dos Socialistas. Alguém abra uma excepção e deixe Pedro Nuno Santos beber café antes dos debates. O povo quer um líder sensato, sim -- mas também fomos educados para desconfiar da figura do lobo em pele de cordeiro.

(Só não pode ter o Prémio Mordaça porque esse já pertence a Gonçalo da Câmara Pereira.)

Prémio “Poder Posso”

O debate entre Luís Montenegro e Mariana Mortágua foi curioso. A esquerda jurou a pés juntos que a vencedora tinha sido, indubitavelmente, a líder do Bloco de Esquerda, enquanto o comentário à direita se apressou a coroar o Social-Democrata, que passou de pária a D. Sebastião. E, mais curioso ainda, ambos os lados são capazes de ter razão.

Foi um bom debate -- tivemos, talvez pela primeira vez, uma verdadeira troca de ideias. Mas Montenegro escorregou e foi apanhado em falso quando decidiu perguntar a Mortágua se a podia interromper. “Não, não pode”. Talvez num fenómeno de regressão freudiana, Montenegro apressou-se na tentativa de recuperação de autoridade: “Poder posso. Não o vou fazer, mas podia”. Os ingleses chamam-lhe comic relief, mas por estes lados fui rezar umas Ave Marias à masculinidade do líder da AD.

Prémio Cata-Vento

Vimos vários Andrés Ventura esta semana. O André defensor dos animais domésticos, o André dos agricultores, o André dos polícias e bombeiros, o André mui democrata, o André que detesta impostos, o André que quer taxar gasolineiras, o André diplomata, o André irritável, o André que odeia o PS, o André amante da TAP, entre outros muitos. Uma divisão de personalidade que, em Fernando Pessoa, é genial, mas que, quando não há génio, parece só patológica.

Prémio Ponto Morto

É verdade que há muito que o Partido Comunista Português perdeu a genica. Não é que esperasse uma grande lufada de ar fresco… mas pelo menos uma pequena brisa. Mas Paulo Raimundo foi fiel à ortodoxia do Partido e manteve-se em ponto morto. Não há marcha atrás, mas também não há grande locomoção. Há quem diga que os eleitores do PS querem mais do mesmo -- creio que subestimam os crentes do Partido Comunista.

Prémio Cavalo de Troia

Mariana Mortágua voltou à sua postura aguerrida no debate com Luís Montenegro. Esteve alerta, ao ataque, sem se importar com o radicalismo a que Montenegro a quis colar (porque, ligando um putativo parceiro de coligação do PS ao radicalismo, torna-se mais fácil associar o partido grande). O problema veio quando teimou em nunca mencionar o Partido Socialista durante as duras críticas que fazia à gestão da crise da Habitação. Para a líder do Bloco, o PSD -- que já não governa há mais de 8 anos e que gere a Câmara de Lisboa há pouco mais de 2 anos -- é o verdadeiro culpado. Embora seja sabido que a crise da Habitação foi da responsabilidade de Pedro Nuno Santos, Mortágua evitou a todo o custo criticar os Socialistas. E devia tê-lo feito, especialmente para contrariar a pressão do voto útil à esquerda. Claro que o debate era com Montenegro, mas fica a dúvida -- será por não querer chatear demasiado um possível parceiro de coligação?

Prémio Aladino

É difícil por vezes ouvir os Liberais e não ponderar se não terão o génio da lâmpada escondido numa gaveta. É que a confiança com que falam de mundos abstratos seria bonita, se não se tratasse de governar o país. Rui Rocha estreou-se com um adversário difícil, mas, quando confrontado com a principal bandeira dos Liberais -- o choque fiscal --, não soube responder. Fugiu como pôde à questão dos números. Entende-se: estava nervoso. Mas no debate seguinte, com André Ventura, também não soube muito bem responder. Pronto, é André Ventura: ninguém consegue falar. Mas também não respondeu durante o debate com Rui Tavares. É neste momento o líder partidário mais rodado nestes debates, mas se calhar é ainda não quis esfregar a lâmpada para não estragar.

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09.02.2024

Entrámos na maratona de debates -- todos com o tempo muito bem contadinho para os telespectadores não perderem a atenção -- e confesso que me apetecia escrever sobre todos. Decidi, também para os caros leitores não perderem o foco, atribuir prémios ao esforço notável de cada candidato.

Prémio Paredes de Vidro

Já aqui escrevi, há umas semanas, sobre a metamorfose quase kafkiana de Pedro Nuno Santos -- já não é jovem turco; é senhor inglês. Mas parecia que Pedro Nuno tinha sido posto num colete de forças durante o debate com o líder da Iniciativa Liberal. É que o esforço para parecer ajuizado é notório: só faltava morder a língua em directo.

O equilibrismo tem destas coisas -- e a tentativa de parecer mais responsável não pode custar-lhe a garra que o catapultou para a liderança dos Socialistas. Alguém abra uma excepção e deixe Pedro Nuno Santos beber café antes dos debates. O povo quer um líder sensato, sim -- mas também fomos educados para desconfiar da figura do lobo em pele de cordeiro.

(Só não pode ter o Prémio Mordaça porque esse já pertence a Gonçalo da Câmara Pereira.)

Prémio “Poder Posso”

O debate entre Luís........

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