Um Português de Bem galga, apoteoticamente, contra a onda que veio naufragar a Velha Europa, entregando-a ao vazio moral, ético e religioso. Fora com os apóstatas, que nos obrigam a abandonar o papel tradicional do Homem e da Mulher (sempre com cuidado face a esta última - espécie sinuosa, periculosa, temerária, que forçou a mão de Deus).

Um Português de Bem tenta emular as características do grande Viriato: é forte, intrépido, honesto, casto, incorrupto, impoluto, destemido. Enfim, é lusitano de gema. Um Português de Bem não se deixa intimidar pelas minorias que populam o Martim Moniz; só não gosta de lá ir. “É perigoso” - e o Português de Bem não corre riscos desnecessários.

É que o Português de Bem paga impostos sobre os rendimentos do seu trabalho - não é cá como o desvirtuado do Martim Moniz, que só usufrui de subsídios do Estado. E, para provar isso mesmo, o partido dos Portugueses de Bem convocou um verdadeiro Português para as suas listas, corajoso patriota que declarou ao Parlamento que mora em Luanda, por forma a receber 75.000 euros em subsídios e ajudas de custo. Mas foi um erro de cálculo do Querido Líder.

Um Português de Bem é rápido e astuto no combate à corrupção. Não aceita podridões. Não quer nada com pessoas referenciadas nas operações do Ministério Público - a não ser que sejam simpatizantes do Partido (como Francisco Cruz Martins, ligado aos escândalos do BANIF, Vale do Lobo, Panama Papers, ou Arlindo Fernandes, acusado em 2019 pelo MP de burla qualificada, falsificação de documentos e branqueamento de capitais, ou mesmo o Embaixador Tânger Correia, vice-presidente do Chega, que lesou o Estado em vários milhares de euros). Um Português de Bem sabe, aliás, que o Estado perde quase 18 mil milhões de euros por ano devido a corrupção - pública e privada -, e junta-se às vozes que o denunciam, e que depois se esquecem, convenientemente, de pagar impostos.

O Português de Bem é o único português que André Ventura quer representar. É o povo escolhido, que acolhe o discurso maniqueísta e escatológico do “bem” contra “mal”, que é irremediavelmente português - na tonalidade certa. Mas quem não quererá seguir Ventura?

André Ventura, católico devoto, português de gema, resolveu dedicar os próximos anos da sua vida a salvar a Pátria e promete, ajoelhado num Congresso e de terço em punho, fazer do Chega o verdadeiro partido da oposição nas próximas eleições, para depois ser primeiro-ministro de Portugal nas eleições seguintes. Mais alguns anos de Governo e regressamos à era dourada de outrora.

Portugal será restaurado como o arauto do mundo Ocidental - quiçá conquistaremos Olivença -, descobrirá ele próprio o mistério da relatividade, ganhará uns quantos Prémios Nobel, e acabará com toda a escumalha que polui o nosso querido Portugal - incluindo alguns dos seus mais fiéis membros, alguns dos quais já ameaçaram outros membros de morte, no Governo.

Mas é no campo da fé que a sua pretensão atinge o clímax, proclamando-se como o escolhido, aquele que ouve as vozes divinas entre o ruído da política terrena - não esqueçamos que Deus lhe sussurra ao ouvido. Tal é o trágico fado de quem ousa encenar o papel de redentor de uma nação que nem sequer lhe pediu o salvamento.


Consultora política

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O que é um “Português de Bem”?

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27.01.2024

Um Português de Bem galga, apoteoticamente, contra a onda que veio naufragar a Velha Europa, entregando-a ao vazio moral, ético e religioso. Fora com os apóstatas, que nos obrigam a abandonar o papel tradicional do Homem e da Mulher (sempre com cuidado face a esta última - espécie sinuosa, periculosa, temerária, que forçou a mão de Deus).

Um Português de Bem tenta emular as características do grande Viriato: é forte, intrépido, honesto, casto, incorrupto, impoluto, destemido. Enfim, é lusitano de gema. Um Português de Bem não se deixa intimidar pelas minorias que populam o Martim Moniz; só não gosta de lá ir. “É perigoso” - e o Português de Bem não corre riscos desnecessários.

É que o Português de Bem paga impostos sobre os rendimentos do seu trabalho - não é cá como o desvirtuado do Martim........

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