Há um certo paradoxo nestas eleições que se avizinham: tanto serão as eleições mais polarizadas de sempre, como parece que agora todos querem ser mais moderados do que o outro. O outro é, na verdade, um radical.

Pedro Nuno Santos anda a tentar convencer o eleitorado de que aprendeu muito com os seus erros e que, agora, é um homem novo. É um homem verdadeiramente ponderado – quase estóico –, sério, que já não se deixa levar pelo ímpeto que o levou a ter de sair do Governo o ano passado. Já não é jovem turco; é senhor inglês. Luís Montenegro, depois de muito criticar o seu antecessor, agora quase parece apreciar algumas propostas do centro-esquerda. Já não é o perigoso neoliberal que liderava a bancada parlamentar dos sociais-democratas na altura da Troika, nem o líder que não negava possíveis entendimentos com o Chega; esses tempos passaram. É um homem novo, mais moderado do que os seus adversários todos juntos e, para o demonstrar, afinal já garantiu várias vezes que não se vai coligar com o partido que vai crescendo à sua direita. Até propôs um aumento do tecto máximo do complemento solidário para idosos. Um gesto que demonstra que até se preocupa com os velhinhos; e, para selar essa imagem, coligou-se com o PPM e CDS-PP.

O próprio André Ventura, que há uns meses gritava, num debate com o Governo em plena Assembleia da República, que tinha vindo de bolsos vazios porque já sabia que com o PS tinha de ter “cuidadinho”, de repente era o baluarte da moderação aquando da demissão do Primeiro-Ministro. De extrema-direita não tem nada, claro: até propôs aumentar o valor das pensões para o valor do ordenado mínimo que, entre outras propostas, poderia custar 11 mil milhões ao Estado. E, face aos idiotas que perguntaram a seguir como é que isto se pagaria, o Chega revira os olhos: propõe taxar a banca. Ah, e, claro, apanhar o dinheiro todo dos gatunos que fogem ao fisco. Mas revira os olhos assim sorrateiramente, porque agora já não é André Ventura do espectáculo; é um homem sério, com valores, que não se exalta facilmente e que, face à queda do Governo, até diz que temos de ir com calma. Alguém lhe dê o cognome O Responsável.

Do lado esquerdo, Mariana Mortágua entrava há uns dias numa sala cheia de bloquistas para os deixar boquiabertos: “O André Ventura é igual ao Stalin!”. Não é igual ao Salazar, nem ao Mussolini, nem a nenhum fascista. É igual a um ditador comunista. Já tinha ouvido bocas destas vindas de pessoas da Iniciativa Liberal, mas pensar que isto veio da Coordenadora do Bloco de Esquerda faz-me questionar se não estaremos mesmo num universo alternativo. A seguir foi à Autoeuropa dizer que era um exemplo: ouvimo-la anunciar que, quando há mecanismos de negociação e contratação coletiva, “o país fica melhor e as empresas ficam mais fortes”. Quem discorda não discordará, certamente, por ser uma posição radical. Até o Bloco parece querer puxar a narrativa para o centro – embora, ao contrário de outros, talvez seja mais para garantir uma posição forte de negociação com o PS pós-eleições do que para garantir votos centristas.

Há uma menção honrosa de abstenção à tentação para o PCP e para a Iniciativa Liberal, mas não espanta ninguém que estes dois partidos não estejam a seguir a moda da moderação. Claro que teremos de esperar até à apresentação dos programas eleitorais – e nenhum foi ainda apresentado à hora que escrevo. Mas, nesta era esquisita em que a maior parte dos partidos parece ter aceitado a moderação como nova moeda de troca, resta saber se vão ser discutidas ideias – ou se a corrida às urnas não passará de tentar provar que o outro é mais radical do que eu. Seria um terrível desperdício de tempo.


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QOSHE - A Gregos e Troianos - Maria Castello Branco
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A Gregos e Troianos

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20.01.2024

Há um certo paradoxo nestas eleições que se avizinham: tanto serão as eleições mais polarizadas de sempre, como parece que agora todos querem ser mais moderados do que o outro. O outro é, na verdade, um radical.

Pedro Nuno Santos anda a tentar convencer o eleitorado de que aprendeu muito com os seus erros e que, agora, é um homem novo. É um homem verdadeiramente ponderado – quase estóico –, sério, que já não se deixa levar pelo ímpeto que o levou a ter de sair do Governo o ano passado. Já não é jovem turco; é senhor inglês. Luís Montenegro, depois de muito criticar o seu antecessor, agora quase parece apreciar algumas propostas do centro-esquerda. Já não é o perigoso neoliberal que liderava a bancada parlamentar dos sociais-democratas na altura da Troika, nem o líder que não negava possíveis entendimentos com o Chega; esses tempos passaram. É um homem novo, mais moderado do que os seus adversários todos juntos e,........

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