Com três décadas de atraso, foi finalmente lançado o primeiro concurso para a concessão da linha ferroviária de alta velocidade entre Porto e Lisboa. Portugal precisa de projetos mobilizadores e este é seguramente um deles, com a particularidade de se estender geograficamente pela faixa mais populosa do país, beneficiando assim mais pessoas e mais empresas.
A este concurso referente ao troço Porto-Oiã seguir-se-á o do troço Oiã-Soure, de forma a completar a primeira fase, viabilizando assim o acesso a um volume de 729 milhões de euros de fundos europeus do Connecting Europe Facility. Lá mais para a frente avançarão a segunda (Soure-Carregado) e a terceira fases (Carregado-Lisboa), de forma que por volta do final da década possamos ter uma linha de alta velocidade a ligar as duas maiores cidades do país. Linha essa que terá continuidade para Norte, ligando a Braga e a Vigo, em Espanha.

Como sempre, estalam as dúvidas existenciais, a respeito dos prazos, da bitola, da preparação das empresas portuguesas, enfim, o habitual ruído de fundo que tende a sobrepor-se ao mérito do projeto, numa prática que, lamentavelmente, é uma característica lusitana. À margem de tudo isso, venho destacar nesta história três protagonistas: o bom, o mau e o vilão.
É evidente que os louros vão para o governo de António Costa, que ao longo dos últimos anos fechou os projetos, os estudos de impacto ambiental e a montagem financeira desta importante infraestrutura. É justo referir o trabalho de Pedro Nuno Santos, que protagonizou o impulso que fez com que o país se voltasse de novo para a ferrovia. E também a Infraestruturas de Portugal merece uma palavra de grande apreço, pois dispõe atualmente de uma liderança competente e efetiva. Como estes projetos atravessam várias legislaturas, andou bem o governo ao procurar um consenso político que envolvesse os outros partidos, em particular o maior da oposição. Apesar de este ser um período pré-eleitoral, o líder do PSD olhou para o interesse do país e viabilizou a proposta do governo de avançar atempadamente para não perder o financiamento europeu, pelo que atribuo a Luís Montenegro o papel de “bom” nesta história do TGV.
Em sentido inverso, Carlos Moedas veio a terreiro dizer que a primeira prioridade para o projeto do TGV português deveria ser a ligação Lisboa-Madrid, discordando da opção do governo e, ao que parece, do líder do seu partido. Confesso que esta posição do presidente da Câmara de Lisboa me deixa boquiaberto. Será desconhecimento do mapa da população, do tecido empresarial e das exportações portuguesas? Será desconhecimento do congestionamento da Linha do Norte e da escassez de oferta do serviço ferroviário? Será desconhecimento do volume de tráfego que circula na A1, emitindo milhões de toneladas de CO2 por ano? Ou será uma visão conceptual que reduz o país a Lisboa e à sua ligação à Europa? Em qualquer dos casos, fico preocupado, sobretudo quando se diz que Moedas tem aspirações à política nacional. A prioridade que advoga não foi obviamente seguida em mais nenhum país europeu, pelo que não me resta senão atribuir a Moedas o papel de “mau” da história.

Para fechar o elenco, socorro-me da deliberação da Assembleia da República que recomendou ao governo o lançamento do concurso para o primeiro troço do TGV até final de janeiro. Todos os partidos votaram a favor, com a exceção do Chega, que se absteve. O partido da extrema-direita demonstra, assim e de novo, ao que veio na política nacional. Não estará nunca de corpo e alma do lado da solução, pelo que para André Ventura reservo o papel de “vilão”.


Professor catedrático

QOSHE - TGV: o bom, o mau e o vilão - José Mendes
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TGV: o bom, o mau e o vilão

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14.01.2024

Com três décadas de atraso, foi finalmente lançado o primeiro concurso para a concessão da linha ferroviária de alta velocidade entre Porto e Lisboa. Portugal precisa de projetos mobilizadores e este é seguramente um deles, com a particularidade de se estender geograficamente pela faixa mais populosa do país, beneficiando assim mais pessoas e mais empresas.
A este concurso referente ao troço Porto-Oiã seguir-se-á o do troço Oiã-Soure, de forma a completar a primeira fase, viabilizando assim o acesso a um volume de 729 milhões de euros de fundos europeus do Connecting Europe Facility. Lá mais para a frente avançarão a segunda (Soure-Carregado) e a terceira fases (Carregado-Lisboa), de forma que por volta do final da década possamos ter uma linha de alta velocidade a ligar as duas maiores cidades do país. Linha essa que terá continuidade para Norte, ligando a Braga e a Vigo, em Espanha.

Como sempre,........

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