Portugal é um país com uma economia aberta, decorrente da opção feita há quase 40 anos de aderir à então Comunidade Económica Europeia. Um passo acertado, como facilmente se demonstra por todas as estatísticas possíveis. A metamorfose vivida desde então correspondeu a uma melhor compreensão das regras que ditam o funcionamento do mundo em que nos movemos. Nem tudo são vantagens, mas o segredo está na nossa capacidade de otimizar os fluxos decorrentes da abertura do país. Fluxos de mercadorias, capital, ideias e pessoas.

A intensificação tecnológica das economias modernas reclama recursos que não estão disponíveis em todas as geografias. Nasceu, assim, o mercado do talento, que atrai também investimento e consumo. Quem tem maior dimensão e economias mais avançadas parte em vantagem; quem é mais pequeno e aspira a desafiar os primeiros lança mãos de estratégias mais ousadas. Portugal acumula um interessante conjunto de amenidades que, se complementadas por medidas políticas adequadas, podem fazer deste pedaço de terra um destino apetecível para profissionais e investidores de grande valor. O regime fiscal aplicável aos residentes não habituais tem cumprido esse papel desde 2009, permitindo que ativos humanos se fixem no país, aqui paguem os seus impostos - beneficiando do incentivo do IRS -, aqui invistam e consumam.

A proposta de acabar com o regime fiscal dos residentes não habituais - na verdade, substituindo-o por um outro de impacto irrelevante - é voltar atrás no entendimento das regras da economia moderna. Os nossos concorrentes exultam de alegria com a oportunidade de receberem de mão-beijada ativos humanos de elevado valor acrescentado em resultado deste autêntico tiro no pé lusitano. E não são apenas os países do sol e boa gastronomia, como Espanha, Itália e Grécia; são também os chamados ricos, como o Reino Unido e os Países Baixos. Este último, então, devia homenagear Portugal por, ao longo dos séculos, ter sido tão diligente em lhe enviar riqueza a troco de nada!

Com a crise demográfica, os salários anémicos e um padrão de inovação ainda moderado, não se percebe como o país vai crescer e gerar riqueza sem importar talento. Não será com certeza com as moles de imigrantes indiferenciados, que muito justamente procuram melhorar a sua vida, mas que na maioria dos casos apenas vêm fazer o trabalho que muitos portugueses recusam, com salários baixos e praticamente sem pagarem impostos.

Os dois argumentos para esta medida orçamental são demasiado falaciosos. Primeiro, não é verdade que o regime tenha custado 1360 milhões em 2022. Esta putativa receita não existiu nem existirá, porque os beneficiários não vêm para Portugal para pagar o mesmo que nos seus países de origem. O que se perde, e muito, são os impostos sobre o consumo - IVA, IMT, IS, (A)IMI, IUC, SS -, que não são objeto de nenhuma redução. Depois, não é verdade que o regime pressione os custos da habitação. O número de transações imobiliárias dos beneficiários deste regime é irrisório face ao volume de negócios do setor. Todos sabem que o problema está na baixíssima produção de fogos na última década, que desequilibrou a procura face à oferta. Se se quer resolver o problema da habitação, crie-se um regime fiscal disruptivo para o setor.

Abdicar de atrair talento por via de um sólido, estável e bem calibrado regime fiscal de residentes não habituais é renunciar ao futuro. Não quero acreditar que esta medida não seja ainda revertida.


Professor catedrático.

QOSHE - O erro do fim do Regime dos Residentes Não Habituais - José Mendes
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O erro do fim do Regime dos Residentes Não Habituais

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05.11.2023

Portugal é um país com uma economia aberta, decorrente da opção feita há quase 40 anos de aderir à então Comunidade Económica Europeia. Um passo acertado, como facilmente se demonstra por todas as estatísticas possíveis. A metamorfose vivida desde então correspondeu a uma melhor compreensão das regras que ditam o funcionamento do mundo em que nos movemos. Nem tudo são vantagens, mas o segredo está na nossa capacidade de otimizar os fluxos decorrentes da abertura do país. Fluxos de mercadorias, capital, ideias e pessoas.

A intensificação tecnológica das economias modernas reclama recursos que não estão disponíveis em todas as geografias. Nasceu, assim, o mercado do talento, que atrai também investimento e consumo. Quem tem maior dimensão e economias mais avançadas parte em vantagem; quem é mais pequeno e aspira a desafiar os primeiros lança mãos de estratégias........

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