O Reino Unido não para de nos surpreender. Infelizmente, pela negativa. Depois do Brexit e da aposta na América de Trump, vem agora dizer que quer abandonar o Erasmus, o programa de intercâmbio da União Europeia e seus países parceiros. Tudo aponta para uma deriva nacionalista e isolacionista que indicia uma perda de rumo face a um mundo cada vez mais complexo e diverso. O argumentário para esta decisão, que não parece ser ainda definitiva, é no mínimo risível.

Começando pelo início: o que é o Erasmus? Trata-se de um programa de intercâmbio assente numa imensa rede europeia de instituições, maioritariamente de ensino superior, que permite que todos os anos um pouco mais de um milhão de estudantes, professores, estagiários e voluntários estudem ou trabalhem num país europeu diferente do seu, por um período que pode chegar a um ano. O Erasmus+, como agora se designa, tem um orçamento de 26 biliões de euros para os sete anos do ciclo orçamental europeu, sendo financiado pelo seu criador, a UE, e pelos países terceiros que nele participam. Os participantes recebem um subsídio que ajuda a suportar a sua estadia no estrangeiro, durante o período do intercâmbio.

É consensual na UE que o Erasmus+ é uma ferramenta de inclusão e cooperação de enorme potencial, pois põe em contacto jovens de diferentes países e realidades sociais, económicas e culturais muito diversas, apelando a um conhecimento mútuo, diálogo, compreensão e colaboração. Retiro da minha condição de professor universitário a convicção de que esta experiência marca indelevelmente a vida dos jovens europeus, abrindo-lhes a mente para a riqueza do espaço em que nos integramos e, também, para o mundo de oportunidades, aos níveis pessoal e profissional. Entre os benefícios apontados pelos participantes, merecem destaque o desenvolvimento de competências linguísticas, a adaptação cultural, a expansão da rede de contactos internacionais e a maior empregabilidade. Vantagens que são ainda mais importantes em países afastados do centro da Europa, como é o caso do Reino Unido - que é uma ilha - e de Portugal.

Ora o que o Reino Unido vem agora dizer é que pretende abandonar o Erasmus utilizando duas razões deveras surpreendentes. A primeira é que os seus estudantes têm fracos conhecimentos de línguas estrangeiras e também pouca apetência para alterar essa fragilidade, pelo que participam menos no programa do que os seus pares de outros países. Assim, fez as contas e concluiu que há mais estudantes estrangeiros a quererem fazer o seu ano Erasmus no Reino Unido do que o contrário. E daí parte para a segunda razão: este desequilíbrio representa uma fatura de cerca de 300 milhões de euros por ano, o que, em defesa dos contribuintes da terra de Sua Majestade, não é aceitável.

Concluímos, portanto, que, na visão do governo conservador britânico, a pouca apetência dos seus jovens para as línguas estrangeiras resolve-se retirando-os dos espaços multilinguísticos. Ou, noutra leitura, que o conhecimento de outras línguas não é importante ou necessário. Sobre o custo da participação, parece que aquele governo o classifica como despesa e não como investimento. Estranho para um país que viveu sempre da globalização.

Começa a ouvir-se com alguma frequência que a arrogância das lideranças políticas britânicas, associada à mediocridade dos seus líderes recentes, está a guiar o país por uma estrada muito estreita, que pode conduzir a um beco sem saída.

QOSHE - O Brexit das ideias: Reino Unido quer sair do Erasmus - José Mendes
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O Brexit das ideias: Reino Unido quer sair do Erasmus

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07.04.2024

O Reino Unido não para de nos surpreender. Infelizmente, pela negativa. Depois do Brexit e da aposta na América de Trump, vem agora dizer que quer abandonar o Erasmus, o programa de intercâmbio da União Europeia e seus países parceiros. Tudo aponta para uma deriva nacionalista e isolacionista que indicia uma perda de rumo face a um mundo cada vez mais complexo e diverso. O argumentário para esta decisão, que não parece ser ainda definitiva, é no mínimo risível.

Começando pelo início: o que é o Erasmus? Trata-se de um programa de intercâmbio assente numa imensa rede europeia de instituições, maioritariamente de ensino superior, que permite que todos os anos um pouco mais de um milhão de estudantes, professores, estagiários e voluntários estudem ou trabalhem num país europeu diferente do seu, por um período que pode chegar a um ano. O Erasmus , como agora........

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