A imigração é talvez o tema mais quente que a Europa enfrenta. Entre aqueles que defendem fronteiras completamente permeáveis, advogando a circulação livre de qualquer um, e os que acham que cada país é exclusivamente para os seus, por regra brancos caucasianos, fica a ideia de que todos gritam e ninguém tem razão. Numa versão mais redonda, direi que todos dizem algo de acertado, mas ninguém conseguiu ainda propor um ponto de equilíbrio que seja percebido pelas populações como aceitável, justo, solidário e seguro.

Nos últimos dias, as manchetes dos jornais revelaram, de novo, mais algumas novidades sobre o tema. Em França, o parlamento aprovou um projeto de lei sobre imigração que é contestado mesmo dentro do próprio partido do presidente Emmanuel Macron. A política de abertura que serviu, também, para espiar muitos dos pecados do colonialismo, transformou o país, sobretudo as suas maiores cidades, num barril de pólvora que ameaça explodir a qualquer momento.

Também em Portugal, entre legais e ilegais, o número de imigrantes estará atualmente perto do milhão de pessoas, dos quais quase um terço são brasileiros. Um estudo do INE, agora divulgado, revela que metade das populações negra, cigana e brasileira já sentiu discriminação. Uma boa parte serão seguramente imigrantes, cuja fragilidade causa preocupação e repúdio.

Não basta ter um discurso solidário e politicamente correto. É necessário repensar o modelo e, se necessário, recuar um passo, de forma que Portugal seja, de facto, uma proposta de valor próspera e equilibrada para todos, portugueses e imigrantes.

Os dados do Observatório das Migrações, agora divulgados, revelam que as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social alcançaram no ano passado o valor mais alto de sempre, algo como 1.860 milhões de euros. Para além do valor absoluto, impressiona o ritmo de crescimento: quadruplicou face ao valor de há quatro anos. Descontando as prestações sociais de que beneficiam, em torno dos 250 milhões, resta um saldo positivo de cerca de 1.600 milhões de euros.

Não parecem restar muitas dúvidas de que a imigração tem um papel crítico para alguns setores de atividade económica e é uma contribuinte líquida da Segurança Social, desfazendo os argumentos contidos nas mensagens de determinados quadrantes, certamente com motivações questionáveis, incluindo xenófobas.

No debate que ocorreu esta semana na Assembleia da República sobre a imigração, por iniciativa do Chega, percebeu-se que o tema é espaço de discordância, que às vezes parece tangenciar o ódio. Entre a extrema-direita, que se pudesse fechava por completo as portas, e a extrema-esquerda, que tem uma visão idílica das portas abertas, é de saudar o posicionamento moderado e responsável de socialistas e sociais-democratas. Os blocos que tradicionalmente alternam na governação do país têm bem consciência do papel positivo dos imigrantes numa economia moderna e aberta. Contudo, não foram ainda capazes de se entenderem sobre a medida certa de abertura das nossas fronteiras e de integração daqueles que nos procuram para um projeto de vida.

Tal como estão as coisas, com dezenas de milhares de estrangeiros a viver abaixo do limiar da pobreza, mal alojados e até explorados, não podemos continuar. Não acho que a abertura franca, onde quase só basta aceder a um website, declarar que se vem à procura de trabalho e, assim, obter um visto, seja um caminho de futuro, nem para satisfazer as necessidades do país, nem para proteger o bem-estar dos imigrantes.

Não basta ter um discurso solidário e politicamente correto. É necessário repensar o modelo e, se necessário, recuar um passo, de forma que Portugal seja, de facto, uma proposta de valor próspera e equilibrada para todos, portugueses e imigrantes.

Professor catedrático

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Imigração: Todos gritam e ninguém tem razão

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24.12.2023

A imigração é talvez o tema mais quente que a Europa enfrenta. Entre aqueles que defendem fronteiras completamente permeáveis, advogando a circulação livre de qualquer um, e os que acham que cada país é exclusivamente para os seus, por regra brancos caucasianos, fica a ideia de que todos gritam e ninguém tem razão. Numa versão mais redonda, direi que todos dizem algo de acertado, mas ninguém conseguiu ainda propor um ponto de equilíbrio que seja percebido pelas populações como aceitável, justo, solidário e seguro.

Nos últimos dias, as manchetes dos jornais revelaram, de novo, mais algumas novidades sobre o tema. Em França, o parlamento aprovou um projeto de lei sobre imigração que é contestado mesmo dentro do próprio partido do presidente Emmanuel Macron. A política de abertura que serviu, também, para espiar muitos dos pecados do colonialismo, transformou o país, sobretudo as suas maiores cidades, num barril de pólvora que ameaça explodir a........

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