Esta semana conclui-se o estudo para a localização do novo aeroporto de Lisboa, que agora entra em discussão pública, após o que será consolidada a sua versão final. Um trabalho de um ano, realizado pela chamada Comissão Técnica Independente, que aponta para uma solução de futuro. Como se esperava, os incumbentes, prisioneiros dos seus interesses, já iniciaram o tiro aos patos, procurando ferir de morte o exercício e, assim, condicionar a decisão política.

Comecemos pelo estudo de avaliação estratégica. A primeira nota, a que estamos pouco habituados, é que a Comissão cumpriu o prazo determinado. Depois, há a referir o facto de ter sido bastante inclusiva no elenco das alternativas em avaliação. A meu ver, até exageradamente, mas antes de mais do que de menos. Não devemos duvidar da qualidade técnica da análise, que procurou ordenar as opções de acordo com os fatores críticos de decisão. Na minha leitura dos relatórios, parece-me que o grande perdedor foi Santarém, que era um projeto bem estruturado, mas que à distância a Lisboa viu ser-lhe adicionado outro elemento negativo: a dificuldade de compatibilizar a operação aeronáutica. Já relativamente às soluções duais e, em concreto, ao Montijo, cedo se perceberam as suas fragilidades, a começar pelas sérias limitações de expansão, para além das já conhecidas de natureza ambiental. A colocação de Alcochete em primeiro lugar acaba por surgir naturalmente, embora esteja longe de ser imaculada.

Por que razão os outros não têm aeroportos dentro das cidades? Simples: sabem que os riscos ambientais, climáticos, físicos e operacionais dessa proximidade são inaceitáveis num mundo moderno.

A ANA veio já criticar a solução. José Luís Arnaut, que até foi ministro, está agora muito focado no interesse da empresa que lhe paga e pouco interessado no interesse do país. Numa intervenção muito infeliz, dedicou-se a assustar a população, lançando imprecisões pouco sérias, como a sugestão de que a escolha de Alcochete significa um aeroporto de quatro pistas, maior que Frankfurt - o que é mentira -, descendo ao lamentável nível populista de perguntar se o Estado queria gastar os oito mil milhões de euros no aeroporto ou em hospitais. Parece ter-se esquecido das obrigações contratuais a que a ANA está obrigada, ao querer imputar os custos ao Estado, enquanto alegremente explora, por concessão pública, um negócio de margens pornográficas. Bem percebo que preferia o Montijo, a solução low cost que lhe permite continuar a lucrar o que pode por mais 10 ou 15 anos - o tempo em que Montijo saturaria - após o que, quem sabe, o seu acionista poderia já não ter interesse em Portugal.

Também as Associações do Turismo mantêm um discurso focado no seu negócio - o que é legítimo -, mas esquecendo as externalidades negativas que são pagas por todos os outros. No seu imaginário, Montijo seria o ideal, porque é rápido e pertinho, e a Portela está muito bem onde está, conferindo a Lisboa uma vantagem competitiva face aos outros destinos europeus. Aqui é que está o ponto: por que razão os outros não têm aeroportos dento das cidades? Simples: sabem que os riscos ambientais, climáticos, físicos e operacionais dessa proximidade são inaceitáveis num mundo moderno. Bem sei que é preciso requalificar a Portela e trabalhar muito para conseguir ter a primeira pista em Alcochete em 7 ou 8 anos, mas tudo isso é possível se o quisermos e nos mobilizarmos. Todos, a começar pelos incumbentes, que devem parar de criticar e começar a contribuir. E também pelos decisores políticos, que, ao invés de multiplicarem comissões de estudo, devem ter a coragem de decidir. Acabaram-se as desculpas.

Professor catedrático

QOSHE - Aeroporto: país vs. incumbentes - José Mendes
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Aeroporto: país vs. incumbentes

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10.12.2023

Esta semana conclui-se o estudo para a localização do novo aeroporto de Lisboa, que agora entra em discussão pública, após o que será consolidada a sua versão final. Um trabalho de um ano, realizado pela chamada Comissão Técnica Independente, que aponta para uma solução de futuro. Como se esperava, os incumbentes, prisioneiros dos seus interesses, já iniciaram o tiro aos patos, procurando ferir de morte o exercício e, assim, condicionar a decisão política.

Comecemos pelo estudo de avaliação estratégica. A primeira nota, a que estamos pouco habituados, é que a Comissão cumpriu o prazo determinado. Depois, há a referir o facto de ter sido bastante inclusiva no elenco das alternativas em avaliação. A meu ver, até exageradamente, mas antes de mais do que de menos. Não devemos duvidar da qualidade técnica da análise, que procurou ordenar as opções de acordo com os fatores críticos de decisão. Na minha leitura dos........

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