ASML. Poucos conhecerão este nome, mas trata-se da empresa tecnológica mais valiosa da União Europeia, que produz chips. Com sede nos Países Baixos, onde trabalham metade dos seus cerca de 42 mil trabalhadores, a ASML tem de recorrer a talento estrangeiro para suprir as suas necessidades.

Acontece que a narrativa anti-imigração que tem feito caminho na Europa, sobretudo pela boca dos partidos de extrema-direita, está a alarmar os responsáveis desta empresa estratégica do Velho Continente. Ao contrário do que se poderia pensar, a preocupação não é a escassez de mão-de-obra mais indiferenciada, mas sim a disponibilidade de recursos humanos qualificados, que pode pôr em causa o relançamento de indústrias de ponta europeias.

A hiper-globalização da economia mundial tem muitos méritos, para os quais não se vislumbram alternativas credíveis e eficazes. Contudo, a recente pandemia da covid-19 trouxe à luz do dia algumas das fragilidades deste modelo, suscitando na Europa e nos Estados Unidos a necessidade de reganhar autonomia estratégica em setores-chave, como é o caso da produção de chips eletrónicos.

Este processo só é possível se for permitida a circulação de trabalhadores com as competências certas. Anunciar um investimento em nova capacidade produtiva tecnológica estratégica em qualquer localização europeia, seja em Portugal, nos Países Baixos ou na Alemanha, dá sempre um bom número político. Bem mais difícil é mobilizar a massa cinzenta e as dezenas ou centenas de milhares de pares de mãos que tornarão realizável e consequente o projeto. A Europa, para ascender a esse estatuto de potência industrial estratégica e mitigar a dependência da China, do Japão, da Coreia do Sul e de Taiwan, não pode deixar que se instale um quadro de fortes restrições ao fluxo de estudantes extracomunitários e trabalhadores expatriados.

Nas últimas eleições neerlandesas, o avanço da extrema-direita pela voz do Partido da Liberdade cavalgou na estigmatização da imigração e dos trabalhadores estrangeiros. O CEO da ASML, Peter Wennink, antecipou o perigo e fez saber que, se o caminho seguido pelos Países Baixos vier a ser o de intensificar as restrições às políticas de expatriados, dificultando o recrutamento das pessoas necessárias para a sua indústria tecnológica, será a empresa a sair do país e a procurar localizações mais amigas do crescimento.

Esta preocupação atravessa a fronteira e vai até à Alemanha, onde estão previstas fábricas de chips no bloco oriental, decorrentes de investimentos de gigantes como a americana Intel, a taiwanesa TSMC e a alemã Infineon. Todos sabem que não será possível pôr estes projetos a produzir sem recrutamento estrangeiro, pelo que o setor está em alerta, sobretudo quando se começa a falar na repatriação de emigrantes, que agora se expressa pelo neologismo “remigração”. O CEO da Infineon terá mesmo, segundo uma notícia do Político, reagido no LinkedIn com uma publicação muito esclarecedora: “O ódio e a marginalização não devem ter lugar na nossa sociedade. A ideia da chamada remigração é desumana.”

O tema da imigração é um dos mais sensíveis da política internacional e está a chegar às políticas nacionais e locais. Não é insensato o conceito de identidade cultural, mas considerá-lo estático e fechado é rasgar a história das sociedades modernas. Tenhamos nós, os europeus, a inteligência para aceitar e beneficiar da diversidade, na medida e com o ritmo certo. Sem preconceitos e sem xenofobia.

QOSHE - (Mais) um risco europeu do discurso anti-imigração - José Mendes
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(Mais) um risco europeu do discurso anti-imigração

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10.03.2024

ASML. Poucos conhecerão este nome, mas trata-se da empresa tecnológica mais valiosa da União Europeia, que produz chips. Com sede nos Países Baixos, onde trabalham metade dos seus cerca de 42 mil trabalhadores, a ASML tem de recorrer a talento estrangeiro para suprir as suas necessidades.

Acontece que a narrativa anti-imigração que tem feito caminho na Europa, sobretudo pela boca dos partidos de extrema-direita, está a alarmar os responsáveis desta empresa estratégica do Velho Continente. Ao contrário do que se poderia pensar, a preocupação não é a escassez de mão-de-obra mais indiferenciada, mas sim a disponibilidade de recursos humanos qualificados, que pode pôr em causa o relançamento de indústrias de ponta europeias.

A hiper-globalização da economia mundial tem muitos méritos, para os quais não se vislumbram alternativas credíveis e eficazes.........

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