Quando perguntam “és de onde?”, o que é que vocês respondem? No meu caso, depende do grau de precisão requerido por quem pergunta: se for no estrangeiro direi portuguesa, claro; se for em Portugal posso dizer que sou alentejana, ou que nasci em Évora. Mas a resposta que mais vezes dou é mesmo: “Sou de Montemor”. Geralmente seguida de um “o-Novo”, para que não se confunda com “o-Velho”, ali perto de Coimbra.

O meu Montemor fica a 30 quilómetros de Évora, é uma cidadezinha simpática, próxima o suficiente de Lisboa para permitir uma ida rápida à capital, com alguma vida cultural e uma curiosa capacidade para atrair gente vinda de fora, tanto portugueses - são vários os políticos, cantores ou apresentadores de televisão que por ali compraram um “monte” -, mas também estrangeiros - o artista chinês Ai Weiwei foi o último a render-se aos pacatos encantos de Montemor.

Mas quando penso nisso, não deixa de ser estranho dizer que sou da terra onde menos anos da minha vida vivi. Afinal foram apenas cinco dos meus 43 os que ali passei antes de, com 18 anos, vir para a universidade em Lisboa.

Ora, se nunca ninguém me ouvirá dizer que sou de Lisboa, mesmo vivendo cá há 25 anos, há outra “terra” que considero um pouco como minha, apesar de também não dizer que sou de lá. E estou a falar da Suíça. Filha de emigrantes, os meus pais fizeram questão de que eu viesse nascer a Portugal, mas voltámos para lá tinha eu um mês e meio. A minha primeira viagem de avião levou-me até ao aeroporto de Genebra e daí para Lausana, onde os meus pais moravam e onde passei os primeiros 13 anos da minha vida, até, em 1994, a Joaquina e o Daniel Tecedeiro decidirem que chegara a hora de regressar a Portugal, e me arrancarem aos meus amigos, à minha escola e a tudo aquilo que era o meu mundo até essa altura.

Desde então só voltei à Suíça uma única vez, para um curtíssimo fim de semana em Genebra, há já quase 20 anos, mas a ligação ficou. Como jornalista, estou talvez especialmente atenta ao que por lá se passa, seja mais um dos inúmeros referendos que promovem, algum debate sobre a sua antiquíssima tradição de neutralidade ou as últimas mudanças políticas num sistema de presidência rotativa que nos deixa um pouco perplexos. Já fiz reportagem com Barbara e Georg Thomann, um casal suíço que trocou Zurique pelo Alentejo, onde criam cavalos. E até sobre futebol entrevistei o anterior embaixador, Markus-Alexander Antonietti, quando em 2022 Portugal e a Suíça se defrontaram nos oitavos-de-final do Mundial do Qatar.

Ainda há dias tive oportunidade de estar à conversa com mais um “conterrâneo”, o realizador Georges Schwizgebel, que veio a Lisboa para a Monstra - Festival de Animação. Oportunidade para falar sobre as curtas-metragens em que o veterano helvético resiste à tecnologia e continua fiel à sua técnica, desenhando à mão. E para o questionar sobre se o facto de o seu país natal ter quatro línguas oficiais - alemão, francês, italiano e o ultraminoritário romanche - contribuiu para o facto de os seus filmes não terem diálogos, com estes a serem substituídos pela música. Não só, mas também, foi, não por estas, mas por outras palavras, a resposta que obtive, acompanhada de um sorriso e de um lembrete: “Se estamos a ler as legendas não vemos bem as imagens.”

E, coincidência ou não, dias depois voltei a cruzar-me com outro suíço, no Dia Nacional de um país da União Europeia, esse clube a que a Suíça recusa pertencer. Nova oportunidade para dois dedos de conversa - em francês, bien sûr, esse legado que me ficou, apesar de ter tido aulas de Italiano e alemão, como era norma - em torno de um país tantas vezes incompreendido pela sua obsessão com as regras, a ordem e os horários. Nada de espantar na pátria da relojoaria de luxo.

A relação entre Suíça e Portugal é inegável, nem que seja porque há mais de 260 mil portugueses a viver na Suíça (é a terceira comunidade estrangeira no país) e muitos mais que por ali passaram ou têm alguém da família que lá vive ou viveu. Suíços em Portugal são ainda poucos, é verdade - quase 5400 segundo os números oficiais de 2021 -, mas a comunidade está a crescer.

Volto ao futebol para o tira-teimas final do “de onde és?” Sabem quando é que eu tenho a certeza que não “sou” da Suíça? Quando há um jogo com Portugal e o meu coração está, sem qualquer hesitação, a torcer pelo país onde nasci e não por aquele onde fui criada. Até posso querer que a Suíça ganhe quando joga com outros, mas contra Portugal, não tenho dúvidas de que sou portuguesa.

Editora executiva do Diário de Notícias

QOSHE - De onde é que eu sou? De Lisboa? Do Alentejo? Da Suíça? - Helena Tecedeiro
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

De onde é que eu sou? De Lisboa? Do Alentejo? Da Suíça?

19 5
31.03.2024

Quando perguntam “és de onde?”, o que é que vocês respondem? No meu caso, depende do grau de precisão requerido por quem pergunta: se for no estrangeiro direi portuguesa, claro; se for em Portugal posso dizer que sou alentejana, ou que nasci em Évora. Mas a resposta que mais vezes dou é mesmo: “Sou de Montemor”. Geralmente seguida de um “o-Novo”, para que não se confunda com “o-Velho”, ali perto de Coimbra.

O meu Montemor fica a 30 quilómetros de Évora, é uma cidadezinha simpática, próxima o suficiente de Lisboa para permitir uma ida rápida à capital, com alguma vida cultural e uma curiosa capacidade para atrair gente vinda de fora, tanto portugueses - são vários os políticos, cantores ou apresentadores de televisão que por ali compraram um “monte” -, mas também estrangeiros - o artista chinês Ai Weiwei foi o último a render-se aos pacatos encantos de Montemor.

Mas quando penso nisso, não deixa de ser estranho dizer que sou da terra onde menos anos da minha vida vivi. Afinal foram apenas cinco dos meus 43 os que ali passei antes de, com 18 anos, vir para a universidade em Lisboa.

Ora, se nunca ninguém me ouvirá dizer que........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play