Quando Olaf Scholz rumar a Washington, no próximo dia 9, para articular com Joe Biden a forma possível de ajudar a Ucrânia, pode ser que o impasse europeu já tenha sido desbloqueado. Mas é quase certo que a paralisia no Congresso dos EUA em torno do pacote de Segurança Nacional proposto pelo Presidente dos EUA vai continuar.

William Burns, o diretor da CIA, foi ao ponto. E sem rodeios: “Não aprovar ajuda à Ucrânia seria um erro de proporções históricas. Ajudar a Ucrânia é um investimento relativamente modesto com retornos geopolíticos significativos”, alertou Burns em artigo na Foreign Affairs. O antigo Embaixador dos EUA na Rússia e na Jordânia foi mais longe: “Se surgir uma oportunidade para negociações sérias para acabar com a guerra, fornecer armas à Ucrânia irá colocá-la numa posição de negociação mais forte. Os militares da Ucrânia também seriam capazes de continuar a defender-se das tropas russas, enquanto reconstroem a sua infraestrutura, enquanto Moscovo gasta enormes quantias de dinheiro para manter a guerra. Para os Estados Unidos, abandonarem o conflito neste momento crucial e cortarem o apoio à Ucrânia seria um autogolo de proporções históricas.”

Qual é a parte que ainda não se consegue perceber de tão eloquente diagnóstico? Do que estamos à espera?

Mas o risco da queda americana é real. Sobretudo porque o bloqueio da maioria (curta) liderada por Mike Johnson na Câmara dos Representantes tem servido os intentos da agenda para um regresso presidencial de Donald Trump.

Se os EUA deixarem cair a Ucrânia, há três países para os quais devemos olhar com particular atenção: a Alemanha, a Polónia e o Reino Unido.

Sozinha, a Alemanha dará este ano mais ajuda militar à Ucrânia (oito mil milhões de euros) que todos os restantes Estados-membros juntos. Berlim será o grande motor europeu: já o é economicamente, tenderá a sê-lo do ponto de vista militar.

Scholz está convicto de que não cairá nos erros estratégicos cometidos por Merkel. A Rússia agressora deixou de ter espaço de manobra em Berlim.

“A Polónia irá pedir a mobilização total do mundo livre para ajudar a Ucrânia.” Foi com este animador cartão de visita que Donald Tusk regressou ao palco europeu, após o triunfo nas eleições legislativas polacas de dezembro passado. “Temos de falar a uma só voz sobre a Ucrânia. Isto tem de nos unir. O ataque à Ucrânia é um ataque a todos nós. Vou pedir ajuda para a Ucrânia a partir do primeiro dia.”
Tusk - que foi primeiro-ministro polaco entre 2007 e 2014 e presidente do Conselho Europeu entre 2014 e 2019 - foi claro: “A Polónia está de volta à Europa”, após oito anos de um Governo conservador e nacionalista, acusado de retrocessos no Estado de Direito e confrontos com a Comissão Europeia.

Radoslaw Sikorski, outro regressado ao Governo polaco, fez questão de escolher Kiev como a sua primeira viagem ao estrangeiro, depois de ter voltado a chefiar os Negócios Estrangeiros da Polónia. Com Zelensky ao lado, apontou: “O Ocidente tem de mobilizar a sua economia para combater a Rússia, uma vez que os países ocidentais, juntos, são 20 vezes mais poderosos do que a Rússia em termos económicos, mas o Kremlin mudou a sua economia para o modo de guerra. Não podemos permitir que a Rússia produza mais com base numa economia muito mais pequena. Porque as guerras não se ganham com batalhas táticas, as guerras ganham-se com a produção. Se o Ocidente se mobilizar, não tenho dúvidas de quem ganhará, mas temos de nos começar a mobilizar.”

Antes das eleições, o antecessor de Tusk, Morawiecki, ameaçava o contrário: parar o apoio militar à Ucrânia, em pleno auge de tensão comercial entre Varsóvia e Kiev.

A Polónia é a linha da frente da ameaça russa no flanco Leste da NATO. Acolheu 80% dos refugiados ucranianos nas semanas que se seguiram a 24 de fevereiro de 2022.

O Reino Unido comprometeu-se a apoiar a Ucrânia com um pacote de ajuda militar no valor de 2,9 mil milhões de euros em 2024 - o maior dos britânicos até agora. Isso incluirá mais equipamentos de defesa aérea, mais armas antitanque, mais mísseis de longo alcance, mais munições e projéteis de artilharia, além de mais treino militar.

Aquando da visita surpresa de Rishi Sunak a Kiev, o primeiro-ministro do Reino Unido anunciou um novo acordo de segurança entre os dois países que “durará 100 anos ou mais”. Este pacto de segurança, que inclui um conjunto de garantias bilaterais de apoio militar, estará em vigor até que a Ucrânia integre a NATO.

A grande questão é: que lado vai escolher Londres, aliado histórico de Washington, em caso de regresso de Trump à Casa Branca? Acredito no melhor cenário: o Reino Unido não abdicará de uma Ucrânia livre e soberana, mesmo que isso ponha em causa a aliança com os Estados Unidos.

O trio crucial num cenário pós-EUA com Trump será Berlim-Londres-Varsóvia. Mas poderá ter um importante acrescento com o cordão nórdico.

Primeiro foi a entrada da Finlândia na NATO. Em breve, esperemos, será a Suécia a juntar-se (talvez na Cimeira de Washington, em julho). Noruega e Dinamarca são dois dos sete países europeus que mais contribuíram em ajudas militares à Ucrânia desde a invasão russa.

A 9 de janeiro passado, a Suécia recomendou aos seus cidadãos que se preparem para uma possível guerra. O aviso, encarado por alguns setores como alarmista, partiu do comandante das Forças Armadas e do ministro da Defesa, no contexto da realização da Conferência Nacional Anual sobre Defesa, em Salen, no sudoeste do país. Carl-Oskar Bohlin instou os cidadãos a prepararem-se para a possibilidade de um conflito armado. O ministro expressou preocupação com a lentidão na modernização do Sistema de Defesa Civil e enfatizou a necessidade de ação imediata por parte de líderes locais e cidadãos. “A paz”, avisou o ministro Boh- lin, “tem sido uma constante por quase 210 anos, mas não é garantida”.

Por que é que Bohlin emitiu tão forte aviso à população? Por duas razões: por um lado, a Suécia teme esta fase de limbo, em que, na prática, já é considerada pelos membros da NATO como um parceiro, mas ainda não é aliado efetivo, abrangido pelo artigo 5.º; por outro, os ucranianos, não muito antes da invasão russa, acreditaram que os conflitos com a Rússia eram coisa do passado.

A junção Reino Unido/países nórdicos na travagem da Rússia está bem presente no racional da Força Expedicionária Conjunta, uma aliança militar formada por britânicos e mais nove países do Norte da Europa, focada em respostas de ação político-militar rápidas a crises humanitárias e guerras. Opera exercícios militares de treino marítimo, terrestre e para ataques híbridos. Conta com 10 países do Norte da Europa liderados pelo Reino Unido, incluindo também Dinamarca, Estónia, Finlândia, Islândia, Letónia, Lituânia, Países Baixos, Noruega, Suécia e Reino Unido.


Especialista em Política Internacional

QOSHE - Três esperanças europeias  - Germano Almeida
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Três esperanças europeias 

11 0
01.02.2024

Quando Olaf Scholz rumar a Washington, no próximo dia 9, para articular com Joe Biden a forma possível de ajudar a Ucrânia, pode ser que o impasse europeu já tenha sido desbloqueado. Mas é quase certo que a paralisia no Congresso dos EUA em torno do pacote de Segurança Nacional proposto pelo Presidente dos EUA vai continuar.

William Burns, o diretor da CIA, foi ao ponto. E sem rodeios: “Não aprovar ajuda à Ucrânia seria um erro de proporções históricas. Ajudar a Ucrânia é um investimento relativamente modesto com retornos geopolíticos significativos”, alertou Burns em artigo na Foreign Affairs. O antigo Embaixador dos EUA na Rússia e na Jordânia foi mais longe: “Se surgir uma oportunidade para negociações sérias para acabar com a guerra, fornecer armas à Ucrânia irá colocá-la numa posição de negociação mais forte. Os militares da Ucrânia também seriam capazes de continuar a defender-se das tropas russas, enquanto reconstroem a sua infraestrutura, enquanto Moscovo gasta enormes quantias de dinheiro para manter a guerra. Para os Estados Unidos, abandonarem o conflito neste momento crucial e cortarem o apoio à Ucrânia seria um autogolo de proporções históricas.”

Qual é a parte que ainda não se consegue perceber de tão eloquente diagnóstico? Do que estamos à espera?

Mas o risco da queda americana é real. Sobretudo porque o bloqueio da maioria (curta) liderada por Mike Johnson na Câmara dos Representantes tem servido os intentos da agenda para um regresso presidencial de Donald Trump.

Se os EUA deixarem cair a Ucrânia, há três países para os quais devemos olhar com particular atenção: a Alemanha, a Polónia e o Reino Unido.

Sozinha, a Alemanha dará este ano mais ajuda militar à........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play