Joe Biden e Donald Trump ficaram a pequenos passos de atingirem os números mágicos para garantir as respetivas nomeações e vão, certamente, confirmar em breve que voltarão a ser os escolhidos de democratas e republicanos para serem os candidatos oficiais à Presidência dos Estados Unidos.
Mesmo assim, a Super Terça-Feira mostrou surpresas. A maior foi o triunfo de Nikki Haley, primeira mulher republicana ganhar algum estado nas primárias para a presidência dos EUA, no Vermont. O estado, de onde Bernie Sanders é senador, prefere os democratas aos republicanos na eleição geral desde 1988 - Ronald Reagan, em 1984, foi o último nomeado do GOP a vencer naquele território moderado, liberal e sofisticado da Nova Inglaterra.

Só que o Vermont em (quase) nada ajudaria Nikki Haley no caminho virtualmente impossível de travar a nomeação de Donald Trump. Foi relevante, é certo, para selar o segundo triunfo da ex-embaixadora dos EUA na ONU (depois da vitória na capital federal, Washington DC, outro terreno super-democrata e anti-Trump). Mas não é representativo nem em número de delegados, nem nos sinais que dá para o resto do país.

Nos 31 estados e territórios dos EUA que terão primárias até julho (Montana, Nova Jérsia, Novo México e Dakota do Sul, antes da certificação dos resultados na convenção de 15 a 18 de julho, em Milwaukee, no Wisconsin), não seria previsível que Nikki pudesse repetir esses dois feitos. No Massachusetts, outro estado onde a ex-governadora da Carolina do Sul mantinha esperanças de vitória pelas características mais sofisticadas do eleitorado em relação à média nacional, Trump venceu com 60%.

Donald acabou a Super Terça com mais de 80% dos delegados exigidos para obter a nomeação (perto de 1000 dos 1215 necessários). Nikki teve apenas 10% dos delegados de Trump, mas uma votação que lhe permite construir o caso de que é a representante de perto de um terço dos republicanos - o que não deixa de constituir um constrangimento para a narrativa de Trump de que “o Partido Republicano nunca esteve tão unido”.

Do lado democrata, Biden está a cumprir o seu objetivo de mostrar que é muito mais capaz de mobilizar as bases do que a perceção geral indica. Ganhou em todo o lado com percentagens na casa dos 90% (só no Oklahoma e no Minnesota se ficou na esfera dos 70%). Curiosidade para detalhistas: na Samoa Americana, uma junção de pequenas ilhas no Pacífico Sul, o caucus realizado foi ganho pelo desconhecido Jason Palmer por… 51 votos contra 40 de Biden - ficaram ambos com três delegados.

É o grande paradoxo desta corrida de 2024: Trump e Biden vão conseguir facilmente a nomeação, mas ambos são candidatos indesejados e impopulares.

Trump já tinha uma grande rejeição - e isso terá, de resto, sido o fator determinante na sua derrota em 2020. A novidade é a impopularidade de Biden. Em 2020, Joe teve a vantagem de ser, em dois momentos (nas primárias perante os rivais democratas e, depois, na eleição geral perante Trump), o candidato com menos anticorpos. Biden tinha nessa altura números muito simpáticos: mesmo pouco entusiasmante, surgia como um candidato com baixa reprovação. Só que, desta vez, as coisas são diferentes: Biden aparece com 47% de desaprovação, valor idêntico ao de Trump.

Em vez de ser mera reedição de 2020, o duelo Trump vs. Biden para 2024 parece-se muito mais com Trump vs. Hillary em 2016: dois candidatos amplamente rejeitados por metade de América (ainda que metades diferentes, claro).

Não se pense que Donald Trump vai passar incólume a tanta confusão à sua volta até novembro.

A questão-chave era a imunidade presidencial - e isso Trump já não conseguiu (decisão do Supremo Tribunal Federal há duas semanas). Os julgamentos vão, por isso, avançar: estava previsto a 4 de março o arranque das audições sobre a conspiração contra a democracia (incitamento à insurreição no Capitólio), mas a juíza Tanya Chutkan adiou (poderá ser só em julho); dia 25, já daqui a três semanas, começa o julgamento do caso do “hush money” para calar Stormy Daniels (Procuradoria Distrital de Manhattan); a 14 de maio começa o julgamento sobre os documentos classificados levados para Mar-a-Largo. Há ainda o caso da tentativa de reversão dos resultados eleitorais na Geórgia, possivelmente o que poderá ser mais comprometedor para Trump na eleição geral.

Mas Trump teve, na véspera da Super Terça-Feira, uma vitória importante (ainda que esperada), com o Supremo Federal a declarar que os estados não o podem excluir dos boletins de voto.

Uma condenação judicial de Trump antes de 5 de novembro poderá comprometê-lo eleitoralmente? É possível: grande parte dos eleitores de Nikki Haley dizem que, caso isso aconteça, Donald não estará apto a voltar à Casa Branca. Mas atenção: dois terços dos republicanos na Carolina do Norte (estado onde Trump bateu Haley por 75-25) acham que Trump deve ser presidente, mesmo que seja condenado por insurreição ao Capitólio ou por tentar inverter a eleição na Geórgia. “Isto é democracia versus autocracia!”, lançava há dias um apoiante de Nikki Haley num comício.

Mais logo, pelas 02.00 horas da madrugada desta quinta para sexta-feira em Portugal continental (9p.m. em Washington DC), Joe Biden faz o seu último discurso do Estado da União antes da eleição presidencial.

Será o último grande momento de dimensão nacional antes de 5 de novembro para Biden puxar dos seus trunfos, sem um contraditório à altura (a resposta republicana virá da senadora Katie Britt, do Alabama, a mais jovem mulher republicana a conquistar um lugar na câmara alta do Congresso).

Espera-se um novo push presidencial por um desbloqueio da ajuda à Ucrânia o mais rapidamente possível. E também se espera que Biden envie mensagem clara a Netanyahu: a América apoia incondicionalmente a legítima defesa de Israel, mas exige ao Governo de Telavive maior proteção aos civis de Gaza.

O discurso do ano passado foi um dos melhores de Biden desde que é presidente. Há dois anos foi marcado pela invasão russa à Ucrânia, que então começava.

Há um ano, ainda era Kevin McCarthy e não Mike Johnson o speaker republicano. A base para uma negociação minimamente racional entre presidente democrata e maioria republicana na Câmara dos Representantes - não sendo extensa - ainda existia.

A semana começou com o anúncio de um acordo bipartidário para evitar mais um shutdown governamental (problema que foi recorrente nas presidências Obama e Trump e que Biden, apesar da crescente polarização, tem conseguido evitar). Só que os seis temas acordados no pacote de 460 mil milhões de dólares não incluem a Ucrânia.

Se Mike Johnson tiver palavra (o que ainda está por provar) pode estar para breve o passo decisivo para que, finalmente, haja uma votação na câmara baixa sobre o que já foi aprovado no Senado: o pacote de segurança nacional que inclui o financiamento de 64 mil milhões de dólares para a Ucrânia.
Mas manda a prudência, tendo em conta o padrão de comportamento dos republicanos no Congresso, que não se festeje antes do tempo.

Há mais de dois anos em fortes dificuldades, com níveis de aprovação abaixo dos 40% e na casa do pior de Donald Trump quando estava na Casa Branca, já poucos se lembrarão que nos primeiros seis meses de mandato (entre janeiro e julho de 2021), a Presidência Biden tinha uma elevada aceitação, na casa dos 60%. Depois veio a saída traumática e muito mal conduzida do Afeganistão, em agosto de 2021 - e, a partir daí, nunca mais Joe Biden voltou a ser um presidente popular.

Será possível que, nos oito meses que faltam para a eleição geral, os norte-americanos se lembrem daquele primeiro meio ano de presidência Biden?

QOSHE - Biden vs. Trump: isto não é 2020 - Germano Almeida
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Biden vs. Trump: isto não é 2020

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07.03.2024

Joe Biden e Donald Trump ficaram a pequenos passos de atingirem os números mágicos para garantir as respetivas nomeações e vão, certamente, confirmar em breve que voltarão a ser os escolhidos de democratas e republicanos para serem os candidatos oficiais à Presidência dos Estados Unidos.
Mesmo assim, a Super Terça-Feira mostrou surpresas. A maior foi o triunfo de Nikki Haley, primeira mulher republicana ganhar algum estado nas primárias para a presidência dos EUA, no Vermont. O estado, de onde Bernie Sanders é senador, prefere os democratas aos republicanos na eleição geral desde 1988 - Ronald Reagan, em 1984, foi o último nomeado do GOP a vencer naquele território moderado, liberal e sofisticado da Nova Inglaterra.

Só que o Vermont em (quase) nada ajudaria Nikki Haley no caminho virtualmente impossível de travar a nomeação de Donald Trump. Foi relevante, é certo, para selar o segundo triunfo da ex-embaixadora dos EUA na ONU (depois da vitória na capital federal, Washington DC, outro terreno super-democrata e anti-Trump). Mas não é representativo nem em número de delegados, nem nos sinais que dá para o resto do país.

Nos 31 estados e territórios dos EUA que terão primárias até julho (Montana, Nova Jérsia, Novo México e Dakota do Sul, antes da certificação dos resultados na convenção de 15 a 18 de julho, em Milwaukee, no Wisconsin), não seria previsível que Nikki pudesse repetir esses dois feitos. No Massachusetts, outro estado onde a ex-governadora da Carolina do Sul mantinha esperanças de vitória pelas características mais sofisticadas do eleitorado em relação à média nacional, Trump venceu com 60%.

Donald acabou a Super Terça com mais de 80% dos delegados exigidos para obter a nomeação (perto de 1000 dos 1215 necessários). Nikki teve apenas 10% dos delegados de Trump, mas uma votação que lhe permite construir o caso de que é a representante de perto de um terço dos republicanos - o que não deixa........

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