Os gritos de alerta têm quase dois anos, soltos quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Gritos de que tinha sido ignorada a ocupação da Crimeia em 2014, de que esta era a maior operação militar em solo europeu desde a II Guerra Mundial, um sinal claro de que a terceira podia estar a chegar. Numa fase em que o Mundo ainda mal se refizera de uma inesperada pandemia, gritou-se. E gritou-se, ainda mais, com manifestações de solidariedade, bandeiras à janela e, por uns meses, tudo pintado a azul e amarelo, as cores da nação invadida. Sem darmos por isso, passaram dois anos em que nós, os afortunados ocidentais, apenas fomos bombardeados com taxas de juro galopantes. E promessas de paz? Nem sinal.

Depois, veio o ataque do Hamas a Israel, e uma resposta que, passados os primeiros 100 dias, muitos consideram como tentativa de genocídio. Hoje, pela Palestina, a crise é humanitária e os discursos oficiais continuam tão aterradores quanto as imagens que de lá nos chegam diariamente. “Nem Haia, nem ninguém” fará parar Israel, disse-o Benjamin Netanyahu. Por lá, a guerra está, também, para durar.

E o cenário piora. Desde a semana passada que uma coligação internacional, com norte-americanos e britânicos no comando, começou a bombardear o Iémen, país tomado por um grupo armado que, nos últimos meses, atacara no Mar Vermelho, em protesto contra o ataque de Israel à Palestina, quase uma centena de navios comerciais. Novamente, os discursos são de agressão e as ações, tragicamente, condizentes – ontem, os Houthis responderam com um míssil lançado contra um militar norte-americano. Por lá, a guerra parece só estar a começar. Ainda há quem grite em alerta para uma eventual terceira guerra mundial? Poucos se ouvem, mas admito que por esta altura o problema já seja de rouquidão.

E há mais. Ainda se lembra de quando as emergências climáticas apareciam em todos os discursos dos principais líderes internacionais? Quando as manifestações se sucediam e as promessas de uma transformação social, no caminho de uma economia verde e mais sustentável, eram feitas quase de mão no peito? Dessas vozes também já poucas se ouvem e a verdade é que o problema só se agudizou. Deu pelas notícias que oficializaram o ano passado como o mais quente alguma vez registado? Tem visto as notícias da seca no Algarve? E da vaga de frio a que esta semana se sucedem alertas de chuva e ventos intensos? Nesse campo não há sinais de bom tempo e as previsões são tudo menos animadoras.

Do outro lado Atlântico, onde ainda há umas semanas vimos uma figura digna de tragicomédia chegar ao poder na Argentina, chegam-nos notícias de que Donald Trump está cada vez mais perto de se oficializar como candidato republicano à presidência norte-americana. Uma eleição que teria tanto de histórica – nunca um candidato a presidente esteve debaixo de tantos processos judiciais e desde 1893 que não há quem consiga regressar à presidência depois de um mandato de interregno – como de trágica para o mundo.

Estaremos nós perante a perfeita tempestade civilizacional? Talvez e a verdade é que tudo ainda pode piorar antes de começarmos a ver abertas no horizonte. Também posso estar enganado e apenas influenciado pelo espírito da Blue Monday, a terceira segunda-feira de cada ano, o dia que a internet decretou como o mais triste do calendário.

Contudo, mesmo com o clima em mutação e com líderes mundiais de capacidade e intenções no mínimo duvidosas, uma certeza podemos ter: ainda não há tempestade registada a que não se tenha seguido um período de bonança. Resta saber quando chegará.

QOSHE - Só falta Trump para a tempestade perfeita - Filipe Garcia
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Só falta Trump para a tempestade perfeita

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16.01.2024

Os gritos de alerta têm quase dois anos, soltos quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Gritos de que tinha sido ignorada a ocupação da Crimeia em 2014, de que esta era a maior operação militar em solo europeu desde a II Guerra Mundial, um sinal claro de que a terceira podia estar a chegar. Numa fase em que o Mundo ainda mal se refizera de uma inesperada pandemia, gritou-se. E gritou-se, ainda mais, com manifestações de solidariedade, bandeiras à janela e, por uns meses, tudo pintado a azul e amarelo, as cores da nação invadida. Sem darmos por isso, passaram dois anos em que nós, os afortunados ocidentais, apenas fomos bombardeados com taxas de juro galopantes. E promessas de paz? Nem sinal.

Depois, veio o ataque do Hamas a Israel, e uma resposta que, passados os primeiros 100 dias, muitos consideram como tentativa de genocídio. Hoje, pela Palestina, a crise é humanitária e os discursos........

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