A definição de insanidade é fazer as mesmas coisas à espera de resultados diferentes. É daquelas frases que todos sabemos repetir e a quem poucos sabem atribuir autoria. Albert Einstein é habitualmente apontado como um dos suspeitos; Rita Mae Brown, escritora norte-americana nos Anos 70, outra. Para o caso, a autoria é irrelevante. A verdade é que, imagine-se o cenário à vontade, a regra é aplicável: como esperar um desfecho diferente se a receita for sempre a mesma? Como podem os mesmos ingredientes resultar num prato diferente?

Em vésperas de umas eleições legislativas em que ninguém prevê vencedores ou, sequer, arrisca escolher qual dos tradicionais blocos, a esquerda ou a direita, ocupará mais lugares no hemiciclo, a maior certeza é de que nas ruas se reclama por uma mudança. Aqui chegámos depois de uma Geringonça, a que deu lugar uma maioria absoluta, a qual, por sua vez, acabou na convocatória de eleições antecipadas. E agora? Teremos nova Geringonça, teremos uma “Barafunda”, como batizou António Costa uma eventual coligação da direita, teremos um cenário de ingovernabilidade? Sim, o risco é real: de uma ponta à outra, a vontade de negociar com o Chega é nula, o respeito dedicado ao seu líder pelos adversários é ainda inferior e ninguém, no seu perfeito juízo, coloca em causa o porquê. Já se imaginou ao lado de André Ventura numa fotografia com honras de Estado? E a ter de partilhar responsabilidades de governação com o líder do Chega? Há gente com quem ninguém se quer sentar à mesa. Há gente cercada por linhas sanitárias que muito poucos discutem. E, mesmo entre esses, quantos acreditam que será o Chega a apresentar uma solução de futuro para o país ou que Ventura será parte de uma solução estável de governação? Poucos, suspeito que nem todos os que lhe prometem o voto acreditam em tal capacidade.

Ainda assim, parece inegável que é por uma mudança de rumo que mais portugueses reclamam. E como reagem os partidos de pleno direito, os que apresentam programas e contas, os que alinham os discursos de acordo com as suas ideologias ao invés de soltar soundbites para aproveitarem a mais recente polémica de internet? Nos últimos dias, enquanto faltam projetos e ideias de futuro para o país, temos assistido a um desfilar de velhas glórias. Na AD apareceu Passos Coelho, o seu antigo secretário de Estado, Paulo Núncio, e Durão Barroso - também já Cavaco Silva tinha dado um ar da sua graça. No PS, de Sócrates não será de esperar aparição, António José Seguro dificilmente estará disponível, mas Costa ainda este fim de semana voltou a aparecer, para lembrar o trabalho feito. No PCP vimos Jerónimo de Sousa e no Bloco apareceu Catarina Martins, ambos a pedir convergência e força para a esquerda. Falta Paulo Portas, desaparecido desde o lançamento da AD, mas até já Assunção Cristas apareceu entre bandeiras.

Dou por mim a pensar em quanto valerá, nesta altura, um ex-líder partidário. Afinal, foram eles quem, numa ou noutra altura, aqui trouxeram o país. Afinal, eram eles quem comandava o barco enquanto o víamos sem rumo aparente, a ver degradar a Saúde, a Educação, o poder de compra dos portugueses e, porque não, até a qualidade da nossa democracia. E não será loucura, da esquerda à direita, voltar a apostar em mais do mesmo? De onde vem a convicção, seguramente instalada entre as máquinas partidárias, de que os velhos líderes são trunfos eleitorais?

O que acrescentaram à campanha os ex-líderes? Serão, de facto, trunfos para os que lhes herdaram os postos? Serão sinal de que, contrariando o senso comum instalado nas redes sociais, afinal nem estamos assim tão mal quanto isso? Que afinal, entre quem vive mais afastado dos telemóveis, se reconhecem melhorias no dia a dia? Talvez, mas arrisco que valem menos do que um hipotético novo líder, de discurso verdadeiramente renovado, munido de um plano de mudança para um país sem rumo. Posso estar a pedir demasiado, mas o mais grave é mesmo que de figuras dessas nem sinal.

Subdiretor do Diário de Notícias

QOSHE - Quanto vale um ex-líder? - Filipe Garcia
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Quanto vale um ex-líder?

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05.03.2024

A definição de insanidade é fazer as mesmas coisas à espera de resultados diferentes. É daquelas frases que todos sabemos repetir e a quem poucos sabem atribuir autoria. Albert Einstein é habitualmente apontado como um dos suspeitos; Rita Mae Brown, escritora norte-americana nos Anos 70, outra. Para o caso, a autoria é irrelevante. A verdade é que, imagine-se o cenário à vontade, a regra é aplicável: como esperar um desfecho diferente se a receita for sempre a mesma? Como podem os mesmos ingredientes resultar num prato diferente?

Em vésperas de umas eleições legislativas em que ninguém prevê vencedores ou, sequer, arrisca escolher qual dos tradicionais blocos, a esquerda ou a direita, ocupará mais lugares no hemiciclo, a maior certeza é de que nas ruas se reclama por uma mudança. Aqui chegámos depois de uma Geringonça, a que deu lugar uma maioria absoluta, a qual, por sua vez, acabou na convocatória de eleições antecipadas. E agora? Teremos nova Geringonça, teremos uma........

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