Vivemos num país em que foi a Justiça a ditar a queda de dois Governos, primeiro o central, com a Operação Influencer, depois o Regional da Madeira, com a Operação Poncha. Nos últimos meses, vivemos num país governado à vista, à espera que as eleições legislativas nos coloquem em São Bento um primeiro-ministro pleno de poderes. Mas isso já sabíamos e, na verdade, já quase estamos habituados a que operações com divertidos nomes causem mais alarido que condenações ou, sequer, acusações. Quem se pode esquecer da história de Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, que passou seis dias detido para, no final, sair sem qualquer acusação depois de o Ministério Público ter pedido a suspensão do mandato, proibição de contactos e de entrar nas instalações da autarquia? Agora, a sensação é a de viver num país em que os adultos parecem ter, definitivamente, abandonado a sala. Como se estivéssemos trancados numa sala de aula em que o professor entrou em greve, ou desistiu, deixando os alunos sem ordem, cada um dedicado a responder aos seus mais rudimentares ímpetos.

Nos últimos dias, vimos um movimento de agricultores bloquear vias públicas para, depois de o Governo responder às suas exigências, a maior dificuldade estar na comunicação com cada ponto de bloqueio por falta de interlocutores.

Vivemos num país em que as forças de segurança protagonizam protestos selvagens, sem que se conheçam os líderes do movimento ou a respetiva agenda. Foi assim que, no passado fim de semana, um jogo de futebol da principal liga nacional acabou, primeiro, marcado por agressões no exterior do estádio e depois cancelado por falta de condições de segurança, Foi por isso que Armando Ferreira, presidente do Sindicato Nacional de Polícias, alertou para o facto de até as legislativas estarem risco - por falta de agentes para transportar as urnas de votos. Foi por isso que confessou à CNN: “Não tenho mão sobre os meus colegas.”

José Luís Carneiro, ainda ministro da Administração Interna, anunciou a abertura de inquérito para procurar os promotores dos protestos das forças de segurança e identificar eventuais ligações a movimentos extremistas, mas lá foi avisando que, nesta altura, pouco mais pode fazer quanto à equiparação do Subsídio de Risco entre diferentes forças de segurança. Um Governo de gestão, diz, não se pode comprometer com “encargos duradouros”. Um problema que não existiu nos protestos dos agricultores que acabou resolvido por “medidas de caráter excecional”. Uma debilidade nos poderes, convenhamos, conveniente a quem assinou a lei que instalou o descontentamento entre agentes da PSP e GNR.

Não discuto a legitimidade da luta dos polícias, tão pouco ponho em causa a insatisfação de agricultores ou professores. Também não é a inépcia do Governo que, agora, me preocupa. O susto está na proliferação de movimentos de protesto inorgânicos, sem responsáveis conhecidos, capazes das mais espalhafatosas, ou irresponsáveis, ações, mas pouco dados a negociar. Sobretudo num momento em que o poder político está, por culpa própria, debilitado. O susto, o maior, está em saber que movimentos sem caras tendem a ser subvertidos, a responder a agendas dúbias e a ser, facilmente, manipulados. Era bom que os adultos voltassem à sala.

Subdiretor do Diário de Notícias

QOSHE - Ficámos sem adultos na sala? - Filipe Garcia
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Ficámos sem adultos na sala?

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06.02.2024

Vivemos num país em que foi a Justiça a ditar a queda de dois Governos, primeiro o central, com a Operação Influencer, depois o Regional da Madeira, com a Operação Poncha. Nos últimos meses, vivemos num país governado à vista, à espera que as eleições legislativas nos coloquem em São Bento um primeiro-ministro pleno de poderes. Mas isso já sabíamos e, na verdade, já quase estamos habituados a que operações com divertidos nomes causem mais alarido que condenações ou, sequer, acusações. Quem se pode esquecer da história de Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, que passou seis dias detido para, no final, sair sem qualquer acusação depois de o Ministério Público ter pedido a suspensão do mandato, proibição de contactos e de entrar nas instalações da autarquia? Agora, a sensação é a de viver num........

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