Foi há dias que o PCP recebeu a Confederação de Desporto do Portugal, um encontro que redundou numa notícia dando nota que os comunistas reclamavam por maior relevo para a Educação Física e Desporto nas escolas públicas. Estranhei. Não por ser contrário à ideia que, confesso, até me é bem cara, mas antes porque ainda não tinha ouvido uma proposta que fosse para a Educação no país. É certo que a luta do momento é pela recuperação das carreiras dos professores e pela melhoria das suas condições laborais. Uma luta cuja justiça não há quem reclame. Mas a minha angústia é outra.

Também já tem uns o dias o debate televisivo em que todos os líderes dos partidos se juntaram para uma discussão na RTP que acabou invadido por ativistas climáticos. E todos vimos as imagens, tanto da tinta vermelha a enfeitar o vidro por trás de Pedro Nuno Santos, como a entrada no ar de um ativista a repetir frases difusas sobre a emergência climática. Depois? Todos falaram mas apenas Inês Sousa Real assinalou o que acabara de acontecer. Disse a líder do PAN que não podíamos ignorar a angústia dos jovens relativamente ao clima e, naturalmente, que era no seu partido em que deviam votar. Porquê? Não explicou. Mas também não são os limites do ativismo que agora me preocupam.

Hoje, a bem da crónica, reduzi o Google à sua função mais básica: disse-lhe 'campanha eleitoral' e pedi-lhe as últimas notícias. Surgem várias sobre os itinerários de cada entourage, depois procurei as últimas tiradas dos líderes. Pedro Nuno reafirmou o foco em travar “o avanço das várias direitas”, Luís Montenegro fala de uma onda que “vai crescer todos os dias” e que trará uma grande vitória da AD a 10 de março, Mariana Mortágua repetiu que só “uma maioria de esquerda garante estabilidade”, enquanto Rui Rocha optou por deixar uma recomendação - “Não se deve gastar mal o dinheiro dos contribuintes” - que até agradeço, mas que pouco acrescenta. Está aí parte da minha angústia.

Ora são batidos recordes de frio, de chuva, de seca, ora mudam correntes e marés, ora aparecem espécies invasoras em latitudes inesperadas. O clima está a mudar e não só já poucos o negam, como até António Guterres já lançou vários apelos desesperados: chegámos ao ponto de não retorno, é preciso agir e rápido. Como? Não será nos discursos dos nossos candidatos a primeiro-ministro que encontra resposta ou, sequer, grandes sugestões. Amigos de uma “economia mais verde” são todos, mas pouco mais encontrará, da esquerda à direita. E na Educação? Os resultados das últimas provas de aferição foram “desastrosos”, expressão de um dos professores que aqui no DN fomos ouvir na altura, e as queixas no ensino são mais que muitas. Da desadequação dos programas à realidade do país, da falta de orientação profissional aos alunos e não são raros os lamentos quanto à falta de condições nas escolas. Ouviu algum candidato prometer que no próximo inverno não teremos notícias de alunos de casaco vestido e luvas calçadas em salas de aula mais a Norte?

É verdade que a campanha só agora arrancou, que ainda todos estão bem a tempo de afinar o discurso. Também é verdade que as máquinas há muito estão no terreno e que eu, à lista de assuntos olimpicamente ignorados, também já podia juntar a Cultura, a Defesa e, porque não, a saúde dos Media nacionais. Ainda se lembra de, há uns meses, se ter levantado um coro de indignados quanto ao estado do jornalismo nacional? Agora, faça como eu, pergunte ao Google e veja se encontra alguma proposta. O que angústia não é a vacuidade dos discursos a que temos assistido. O que assusta é mesmo a falta de pensamento sobre os assuntos que não cabem em soundbytes.

QOSHE - As angústias ficam fora dos debates - Filipe Garcia
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As angústias ficam fora dos debates

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27.02.2024

Foi há dias que o PCP recebeu a Confederação de Desporto do Portugal, um encontro que redundou numa notícia dando nota que os comunistas reclamavam por maior relevo para a Educação Física e Desporto nas escolas públicas. Estranhei. Não por ser contrário à ideia que, confesso, até me é bem cara, mas antes porque ainda não tinha ouvido uma proposta que fosse para a Educação no país. É certo que a luta do momento é pela recuperação das carreiras dos professores e pela melhoria das suas condições laborais. Uma luta cuja justiça não há quem reclame. Mas a minha angústia é outra.

Também já tem uns o dias o debate televisivo em que todos os líderes dos partidos se juntaram para uma discussão na RTP que acabou invadido por ativistas climáticos. E todos vimos as imagens, tanto da tinta vermelha a enfeitar o vidro por trás de Pedro Nuno Santos, como a entrada no ar de um ativista a repetir frases difusas sobre a........

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