O primeiro dia do resto da minha vida", disse ontem, pedindo licença a Sérgio Godinho pela apropriação da frase, António Costa à CNN onde acabaria o dia em entrevista. Não me convenceu. Chame-se-lhe mentira, inverdade, gestão de expectativas ou apenas jogo político, da minha parte suspeito que a vida de António Costa não irá mudar tanto quanto isso. As frases estão todas lá.

Ora, diz Costa que "é cedo para fazer balanços", assume que não é dado a mostrar sentimentos, mas que ficou "magoado" com a forma como se sentiu obrigado a apresentar a demissão, e nem escondeu o "grande travo amargo" com que fica ao olhar para as obras em curso e que não conseguirá ver concluídas até março. Costa, como lembrou, "exerce, praticamente consecutivamente, funções executivas desde novembro de 1995" e hoje não tem "dúvidas nenhumas" de como acabará o processo que tudo espoletou, com "uma não-acusação, um arquivamento ou a minha absolvição". Costa, agora primeiro-ministro de um Governo de gestão, gosta de "fazer coisas" e quanto a isso não dá sinais de ter mudado.

A menos de três meses de novas eleições legislativas, poucas vezes o cenário político nacional esteve tão incerto. Ainda não sabemos quem estará na liderança do centro-esquerda no dia de ir às urnas. Entre os dois partidos de poder a proximidade é tal que ninguém aponta favorito à vitória e, como nunca, tão pouco sabemos se voltaremos à tradição de que governava quem merecia maior número de votos. Com calendário apertado e sem tempo para grandes jogadas, o desfecho está em aberto e poucos arriscam prognósticos. Um, contudo, arrisco, mas recuo a 2005 para o enquadrar.

Nessa altura, fora o PSD a desbaratar uma maioria parlamentar, primeiro a passar a liderança do Governo, de Durão Barroso para Santana Lopes, e depois a enfrentar a dissolução da Assembleia pelo Presidente Jorge Sampaio. E foi então que Santana assinou um dos mais famosos soundbites da política nacional. "Feriram-me, mas não me mataram", disse no congresso de onde saiu deixando o famoso aviso: "Não me despeço. Não vou estar por aqui, mas vou andar por aí."

Depois de Santana Lopes, o PSD conheceu três líderes em cinco anos - Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite - assistindo na oposição aos Governos de José Sócrates. No PS não sabemos quem sucederá a Costa, tão pouco podemos adivinhar quanto tempo o próximo líder socialista sobreviverá em funções, mas dá para arriscar que hoje não é "o primeiro dia do resto da vida". Andará por aí, nem precisa de avisar.

Subdiretor do Diário de Notícias

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António Costa vai andar por aí

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12.12.2023

O primeiro dia do resto da minha vida", disse ontem, pedindo licença a Sérgio Godinho pela apropriação da frase, António Costa à CNN onde acabaria o dia em entrevista. Não me convenceu. Chame-se-lhe mentira, inverdade, gestão de expectativas ou apenas jogo político, da minha parte suspeito que a vida de António Costa não irá mudar tanto quanto isso. As frases estão todas lá.

Ora, diz Costa que "é cedo para fazer balanços", assume que não é dado a mostrar sentimentos, mas que ficou "magoado" com a forma como se sentiu obrigado a apresentar a demissão, e nem escondeu o "grande travo amargo" com que fica ao olhar para as obras em curso e que........

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