São mais as perguntas que as respostas decorrentes dos resultados das eleições legislativas deste fim de semana. É certo que, salvo alguma surpresa vinda do círculo da emigração, Luís Montenegro será chamado a formar governo, que o PS ocupará a liderança da oposição, que o Chega terá, como nunca, voz na política portuguesa. É certo também que CDU e PAN resistiram ao desaparecimento que muitos vaticinaram, que o Bloco segurou o seu grupo parlamentar e que à esquerda se afirmou o Livre, agora com direito a quatro deputados. Mas as certezas ficam-se por aqui.

Que governo conseguirá formar Montenegro? Quem serão os corajosos capazes de assumir posições de liderança num executivo que pode nem passar do primeiro Orçamento? E o PS, estará pronto para olhar para dentro e perceber como passou, em pouco mais de dois anos, de uma maioria absoluta para um papel secundário na política nacional? E à esquerda, estará alguém capaz de pensar no que acabou de acontecer?

Historicamente, era pela ala canhota que se capitalizavam os votos dos descontentes, o famoso voto de protesto. Ontem, com estrondo, tornou-se clara a inversão. E chegamos à pergunta de um milhão, no caso, de eleitores, a fasquia que ontem o Chega ultrapassou.

Serão muitos de extrema-direita, outros tantos vítimas de desinformação e ainda outros com pouco apego à democracia. Qualquer democrata, remotamente informado, desmonta em minutos o discurso político do Chega, o partido, por exemplo, que se apresenta como pró-vida, mas cujo líder se diz a favor da atual legislação para a IVG. Mas não é pela política que o Chega cresce, não são as propostas para o país, muito menos são os quadros com que poderia integrar um Executivo. Cresce o Chega por ser o veículo perfeito para interesses e lóbis variados ganharem influência? Cresce o Chega pelo discurso que apela aos mais básicos dos sentimentos? Ou cresce o Chega porque apela a quem mais ninguém dedica atenção? Será que cresce o Chega porque são muitos os desencantados com a política? Esta parece ser a hipótese que podemos excluir: ontem a abstenção foi historicamente baixa e não é preciso ser sociólogo para perceber quem apareceu, em massa, para votar, para participar na política. O eleitorado do Chega não só é numeroso como está pronto para o combate nas urnas. Mas, e agora? Agora, chegou a hora de ver quanto valem os 48 deputados e o que tem o partido de Ventura para oferecer. A oportunidade, se os partidos democráticos a souberem aproveitar, pode ser de ouro. Mas há uma conversa que tem de ser tida.

Parece improvável uma coligação do famoso ‘centrão’, um filão que todos sabem Ventura aproveitaria como ninguém. PSD e PS juntos num pacto de regime seria um cenário idílico para quem vive de vociferar contra o sistema e do disparo de lugares comuns sobre problemas cuja resolução é fácil de apontar, mas complexa de pôr em prática. Juntos, PSD e PS deixariam a Ventura o papel de líder da oposição e, sabemo-lo, são sempre esses quem sucede aos líderes de governo caídos em desgraça. Não imagino pior cenário.

Em pouco mais de 9,2 milhões de recenseados, ontem votaram 6,1 milhões e 1,1 deram o seu voto a Ventura. Agora, a pergunta, para esquerda e direita democráticas, é a mesma. Quem fala com o milhão de eleitores de Ventura? Sejam os polícias em manifestação, os algarvios com água racionada ou os que olham para Portugal como um antro de corrupção, minado pela ideologia de género, pejado de dependentes de subsídios e perigosos imigrantes de que tanto Ventura fala? A conversa não será fácil, mas é bom que alguém a tenha. Urgentemente.

QOSHE - A pergunta de um milhão de eleitores - Filipe Garcia
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

A pergunta de um milhão de eleitores

5 1
12.03.2024

São mais as perguntas que as respostas decorrentes dos resultados das eleições legislativas deste fim de semana. É certo que, salvo alguma surpresa vinda do círculo da emigração, Luís Montenegro será chamado a formar governo, que o PS ocupará a liderança da oposição, que o Chega terá, como nunca, voz na política portuguesa. É certo também que CDU e PAN resistiram ao desaparecimento que muitos vaticinaram, que o Bloco segurou o seu grupo parlamentar e que à esquerda se afirmou o Livre, agora com direito a quatro deputados. Mas as certezas ficam-se por aqui.

Que governo conseguirá formar Montenegro? Quem serão os corajosos capazes de assumir posições de liderança num executivo que pode nem passar do primeiro Orçamento? E o PS, estará pronto para olhar para dentro e perceber como passou, em pouco mais de dois anos, de uma maioria absoluta para um papel secundário na política nacional? E à........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play