O momento foi recordado por Inês Sousa Real, em debate com Luís Montenegro. Como pode o PSD estar associado a um partido em que se considera razoável a violência sobre mulheres? Assumindo, desde já, que pouca atenção dou à causa monárquica e que ainda menos dedico a Gonçalo da Câmara Pereira, tive de mergulhar no Google para aferir a veracidade do ataque.

Graças ao Polígrafo, fiquei, imediatamente, descansado. É verdade que Câmara Pereira, em 2017 num programa da TVI, deu “toda a razão” ao juiz que recusou agravar a pena de um agressor por a vítima ter tido um relacionamento extraconjugal. É também verdade que resumiu a coisa assim: “Pôs os palitos [ao marido], então mamou-as.” Para descanso de todos, explicou agora o que disse. O programa era “lúdico”, estava apenas a fazer um boneco, o “do macho latino”, queria polémica e tudo resultou - “mantive as presenças por 10 anos”. E assim ficou tudo bem.

Lembrei-me então de outra frase. “Ficámos com uma espécie de PSD-prostituta política”, disse há uns dias André Ventura, esse a quem tantos elogiam o dom da oratória, a propósito das negociações entre as forças de direita para viabilizar o Governo minoritário açoriano.

Aqui, são precisas algumas ressalvas. Nada tenho contra quem faz vida da prostituição, não encontro qualquer semelhança entre o que sei desse mundo e a política dos sociais-democratas e sei que Ventura não se retratará. No caso, o baixo nível é imagem de marca, até trunfo aos olhos de alguns, e o fundamento do discurso é sempre opcional. Como quando o seu partido sugere no programa eleitoral a redução do IVA na compra da primeira casa - imposto que por ali não se aplica - e responde com tranquilidade. Foi engano, uma gralha, afinal não é “aquisição”, antes “construção”. Assim, ficou tudo bem.

Salto para o outro lado do Atlântico onde Donald Trump sugeriu que incentivaria a Rússia a atacar os países da NATO que não cumprissem com a regra de alocar 2% do PIB ao setor da Defesa. Mesmo sabendo que Portugal apenas o tem previsto para 2030, também podemos ficar descansados. Além de nada indicar a nossa presença na lista de alvos de Putin, a frase foi mesmo dita, podia ter levado aspas. E nesta altura, como nunca, na política parece instalada a irrelevância do discurso.

Ouvem-se promessas, mais ou menos vãs, ataques ferozes a futuros parceiros, bravatas que, sabemos, a realidade desmontará, ouvimos todos mais do que queremos. O que nos deixa seguir, com tranquilidade? A consciência de que cada vez mais é irrelevante o que lemos entre aspas. O que nos deve angustiar? Cada vez menos nos chocamos com isso mesmo, cada vez mais os resultados nas urnas parecem independentes do que os candidatos foram dizendo. Sinal de quer cada vez menos os ouvem ou de que cada vez menos os levamos a sério? Qualquer das alternativas deve assustar.

Subdiretor do Diário de Notícias

QOSHE - A irrelevância entre aspas - Filipe Garcia
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A irrelevância entre aspas

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13.02.2024

O momento foi recordado por Inês Sousa Real, em debate com Luís Montenegro. Como pode o PSD estar associado a um partido em que se considera razoável a violência sobre mulheres? Assumindo, desde já, que pouca atenção dou à causa monárquica e que ainda menos dedico a Gonçalo da Câmara Pereira, tive de mergulhar no Google para aferir a veracidade do ataque.

Graças ao Polígrafo, fiquei, imediatamente, descansado. É verdade que Câmara Pereira, em 2017 num programa da TVI, deu “toda a razão” ao juiz que recusou agravar a pena de um agressor por a vítima ter tido um relacionamento extraconjugal. É também verdade que resumiu a coisa assim: “Pôs os palitos [ao marido], então mamou-as.” Para descanso de........

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