Tivemos este mês eleições. As democracias liberais instalaram-se desde há uns bons anos nas redes sociais e a forma de conquistar eleitores parece, atualmente, estar muito dependente das publicações no Facebook, Tik Tok, Instagram, WhatsApp, Twitter, etc. Todos os partidos dispõem de agências que promovem a publicação nas redes e são considerados hábeis aqueles que são capazes de manter a atenção dos potenciais eleitores com as suas mensagens provocatórias e tantas vezes demasiado concisas para desencadear um processamento de informação relativamente analítico. Além disso, os algoritmos destas redes determinam as publicações que as pessoas têm acesso tendo em conta a similitude de visualizações prévias, o que faz com que os potenciais eleitores circulem dentro de bolhas virtuais, lendo mensagens semelhantes que, caso sejam falsas, pelo seu caráter repetitivo se vão tornando verdadeiras nas mentes dos seus leitores.

A circulação pelas redes sociais constitui uma das principais fontes de informação das gerações mais novas, que leem muitos menos jornais e assistem também menos a televisão do que as gerações mais velhas. Neste contexto, a capacidade de verificação da veracidade das informações que procuram conquistar eleitores, modelar atitudes, crenças e pensamento é uma competência crítica para uma cidadania plena. A Inteligência Artificial (IA), por sua vez, ao permitir a falsificação de imagens e de vozes e a consequente atribuição de mensagens que não terão sido proferidas pelos supostos autores, aumenta as probabilidades de manipulação de informação, podendo tornar ainda mais vulneráveis as democracias. Nesse sentido trabalhar as gerações mais novas para a verificação de factos e para o pensamento crítico é neste momento uma urgência para defender a própria democracia.

Vários estudos dão conta como a amplitude do vocabulário e a familiaridade com léxicos mais sofisticados está associado a níveis de compreensão e juízo crítico e de como os hábitos de leitura funcionam como mediadores dessas competências. Outros sugerem que as redes sociais podem ter um impacto negativo na amplitude do vocabulário das crianças. Na medida que muitos sites e plataformas promovem o contacto com imagens e emoções estreitam o contacto das crianças com um ambiente visual mais rico e menos estimulante do ponto de vista linguístico.

É impossível a sociedade regredir. Os avanços tecnológicos nas redes sociais e na IA não vão parar. Mas por isso e, tendo em conta todos os estudos enunciados, o papel das famílias e da escola para ampliar leituras, debates, pensamentos críticos é neste momento mais premente do que nunca. Para defender a democracia e não corrermos o risco de criarmos lentamente uma sociedade distópica e onde as irrealidades construídas e manipuladas se assumem como mais fidedignas do que os factos é imprescindível educarmos as nossas crianças para filtrar e analisar informação. No célebre livro 1984, George Orwell afirmou que "a massa mantém a marca, a marca mantém os media e os media controlam a massa", afirmação que já esteve mais longe de se tornar profética.

QOSHE - Educar para a democracia em tempos de tecnologia - Ana Cristina Silva
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Educar para a democracia em tempos de tecnologia

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27.03.2024

Tivemos este mês eleições. As democracias liberais instalaram-se desde há uns bons anos nas redes sociais e a forma de conquistar eleitores parece, atualmente, estar muito dependente das publicações no Facebook, Tik Tok, Instagram, WhatsApp, Twitter, etc. Todos os partidos dispõem de agências que promovem a publicação nas redes e são considerados hábeis aqueles que são capazes de manter a atenção dos potenciais eleitores com as suas mensagens provocatórias e tantas vezes demasiado concisas para desencadear um processamento de informação relativamente analítico. Além disso, os algoritmos destas redes determinam as publicações que as pessoas têm acesso tendo em conta a similitude de visualizações prévias, o que faz com que os potenciais eleitores circulem dentro de bolhas........

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