Não me revejo na ideia dos Pratos Nacionais. Compreendo a sedução do tema, pois que os mitos fundadores que dão suporte a identidade são de um conforto imenso. Contudo, a cozinha nunca conheceu fronteiras, nem ela própria alguma vez foi uma fronteira. Gostamos de acreditar nisso, no que é nosso e no que é nos outros como se tal nos desse vantagem num qualquer posicionamento, mas não, não há assim tanta diferença entre o Cozido de que tanto gostamos e a Olla Podrida que em Espanha atrai milhares, ou o Pot-au-Feu que em França é anunciado como basilar, ou ainda o Bollito italiano.
Uma análise mais vincada sobre o tema diz-nos que a origem do Cozido não estará circunscrito nas condições geográficas portuguesas, mas será consequência de outros fatores como a estrutura social e política de períodos da história da Europa. Por isso, anunciar esta receita como a grande inspiração para a cozinha portuguesa será, muito mais, utilizar um discurso de promoção do que entender a importância da mesma. Contudo, será que tal retira ao Cozido o encanto que ele tem? Claro que não! É uma receita que está na base dos períodos de celebração do calendário nacional, respira abundância, fartura, sabor múltiplo. Das carnes frescas às fumadas, dos legumes que se desfazem ao caldo que se aproveita à colherada, ao arroz ou grão de bico que se acrescenta. Daquela mistura que se coze, sai um irresistível e abençoado Cozido.
Talvez, por isso, pela riqueza de sabores, o Cozido nos atraia e queiramos fazer dele o nosso prato nacional, aquele que nos une, desde o Minho ao Algarve, da Madeira aos Açores. Em todas as regiões, há uma particularidade, uma variante, um acrescento, uma redução. Claro que, mesmo nos Cozidos regionais, não deveremos ceder a tentação de tipificar e dizer que aquela receita tem de ser assim ou assado. Não existe isso na cozinha. Há sempre a liberdade do que gostamos e a limitação do que não temos. Mas, sim, poder saborear um Cozido é um dos melhores prazeres da mesa portuguesa que podemos ter. Entre gerações pode haver diferenças entre o que se gosta mais e o que se gosta menos, mas numa mesa de família o Cozido é sempre motivo de reunião, de conforto, de ligação entre os mais novos e os mais velhos. E essa, na verdade, é a força do Cozido «à Portuguesa», a capacidade que ele tem de nos ligar, de nos fazer sentir a pertença a uma família, comunidade ou país. E eu, sinceramente, adoro isso.

QOSHE - À Mesa com Portugal – Cozido “à Portuguesa” - Olga Cavaleiro
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À Mesa com Portugal – Cozido “à Portuguesa”

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13.04.2024

Não me revejo na ideia dos Pratos Nacionais. Compreendo a sedução do tema, pois que os mitos fundadores que dão suporte a identidade são de um conforto imenso. Contudo, a cozinha nunca conheceu fronteiras, nem ela própria alguma vez foi uma fronteira. Gostamos de acreditar nisso, no que é nosso e no que é nos outros como se tal nos desse vantagem num qualquer posicionamento, mas não, não há assim tanta diferença entre o Cozido de que tanto gostamos e a Olla Podrida que em Espanha atrai milhares, ou o Pot-au-Feu que em França é anunciado como basilar, ou ainda o Bollito italiano.
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