As espécies invasoras são uma das causas relevantes na perda da biodiversidade, para além de custos económicos muito elevados, tanto pelo impacto que têm em recursos e infraestruturas como pelo custo ao seu combate e controlo. E o que são espécies invasoras? Primeiro são espécies que não são nativas, chegaram por acção humana. Muitas espécies são introduzidas, para fins económicos, ornamentais ou por mero acidente. É sempre um risco essa introdução, apesar de nem todas as espécies não nativas (exóticas, alóctonas) são invasoras. A outra característica, que as classifica como invasoras, é quando demonstram capacidade de estabelecerem populações na natureza sem ajuda humana, afectando e transformando os habitats naturais.
A Acácia-de-espigas é uma dessas espécies. É originária da Austrália e foi introduzida com fins ornamentais e de fixação das areias dunares. Gostou do nosso clima e, sem competidores nem doenças, parrtiu à conquista do território. Um dos problemas é que elimina espécies importantes nestes ecossistemas dunares, como o estorno-das-areias e a camarinha. Sendo menos eficiente na fixação das areias do que o estorno, por exemplo.
E é uma espécie com uma resistência apreciável. Produz quantidades imensas de sementes, após o corte rebenta com vigor, o fogo anima-a, acordando as sementes. Tentar combatê-la é desesperante. E foram feitas, localizadamente, várias tentativas por métodos mais tradicionais como corte seguido de mondas repetidas (anualmente) para eliminar rebentos. Se poderá funcionar muito localizadamente (com custos de intervenção elevados) não será muito viável a grande escala. E muitas vezes a intervenção não é apenas inglória, é mesmo nefasta. Quando se cortam exemplares adultos, que poderiam ser atacados árvore a árvore, num par de anos temos umas centenas a milhares de pequenas árvores tornando inviável esse ataque.
Ora o que fazer? Primeiro conhecer bem o nosso «inimigo» (acho que o Sun Tzu e o Clausewitz falaram nisto). Quais os seus «interesses», «família», «amizades», «inamizades». Acontece que na sua terra australiana a Acácia-de-espigas tem uma inimizade, um inimigo. Um insecto de um par de milímetros. Uma vespinha sem ferrão do tamanho de uma mosca-do-vinagre. A Trichilogaster acaciologifoliae de seu nome formal. Chamemos-lhe Tríqui. A Tríqui é bastante interessante. Quase só há fêmeas, reproduz-se sem precisar de machos. Ou seja, geneticamente são quase como irmãs gémeas. No estado adulto vivem apenas uns pares de dias. E nesse espaço o que as preocupa é encontrar galhos de Acácia-de-espigas para lá colocar ovos. Ora estes ovos vão desenvolver larvas pondo a acácia a produzir bugalhos. Toda a energia e matéria gasta para manter esses bugalhos é energia e matéria que não é usada nem no crescimento nem na produção de sementes.
Ora o inimigo do nosso inimigo pode ser nosso grande aliado. Mas não é só conhecer o inimigo, o aliado também. Quantas vezes na História os aliados se demoraram a sair bem mais que os invasores? Será que afectam outros recursos, outras espécies? Tantos exemplos existem. Daí o trabalho de conhecimento e experimentação. Sendo que, no caso da Tríqui, já havia histórico. A África do Sul já tinha trinta anos de recurso a este aliado. Para além de estudos de risco, experimentações em quarentena com outras espécies. Cerca de uma década e meia de análise e estudo até existir consenso e autorizações administrativas para a introdução na natureza, em 2015
Se passar pelo litoral poderá ver algumas acácias com estes bugalhos, é a Tríqui a trabalhar connosco. Não eliminará por si só a Acácia-de-espigas mas permitirá controlar a sua expansão, dando folga para intervenções de conservação.
A Tríqui é nossa aliada. Para mais informação visite invasoras.pt. Aproveite e colabore.
Uma nota: os processos, as ideias, os estudos, são muito relevantes. Mas tudo depende das pessoas. Neste caso é incontornável referir as minhas amigas e colegas biólogas Hélia e Elizabete Marchante. Sem o seu conhecimento, rigor científico, energia, entusiasmo (obstinação, até) se calhar a Tríqui ainda não andava aqui a combater por nós.

QOSHE - Os aliados não se medem aos palmos - Mário Reis
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Os aliados não se medem aos palmos

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22.02.2024

As espécies invasoras são uma das causas relevantes na perda da biodiversidade, para além de custos económicos muito elevados, tanto pelo impacto que têm em recursos e infraestruturas como pelo custo ao seu combate e controlo. E o que são espécies invasoras? Primeiro são espécies que não são nativas, chegaram por acção humana. Muitas espécies são introduzidas, para fins económicos, ornamentais ou por mero acidente. É sempre um risco essa introdução, apesar de nem todas as espécies não nativas (exóticas, alóctonas) são invasoras. A outra característica, que as classifica como invasoras, é quando demonstram capacidade de estabelecerem populações na natureza sem ajuda humana, afectando e transformando os habitats naturais.
A Acácia-de-espigas é uma dessas espécies. É originária da Austrália e foi introduzida com fins ornamentais e de fixação das areias dunares. Gostou do nosso clima e, sem competidores nem doenças, parrtiu à conquista do território. Um dos problemas é que elimina espécies importantes........

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