O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma emergência médica, sendo atualmente a principal causa de morte e incapacidade permanente em Portugal.
No nosso país, por hora, três pessoas têm um AVC. Dessas, uma morre e outra fica com sequelas incapacitantes. 14% dos AVC dão-se em pessoas entre os 15 e os 49 anos, uma em cada quatro pessoas que ficam com sequelas são desta faixa etária.
Num estudo recente, relatado no jornal Expresso de 5 de abril, Pedro Maciel Barbosa, investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), concluiu que a nível nacional, coexistem onze percursos diferentes de reabilitação, fragmentando a resposta e criando heterogeneidade nos resultados, levando a que 70% dos sobreviventes de AVC não tenham acesso à reabilitação intensiva.
Além do diagnóstico e do tratamento do AVC na fase aguda, que se realiza na grande maioria nos hospitais do SNS, é imprescindível não descurar a reabilitação, ainda no hospital público e no pós-alta.
É no pós-alta da cama hospitalar do SNS, que entra em ação o sector convencionado (privado e/ou social) com as suas unidades de média duração e de reabilitação, as clínicas privadas e também a Rede de Cuidados Continuados com as limitações de só “30% dos doentes tenham tratamento adequado após AVC”. Além disso, o estudo citado, informa-nos que esses percursos de reabilitação no sector privado, em termos de custos, variam entre 11 mil e 32 mil euros por ano para o SNS.
Aqui está um exemplo prático, que revela a necessidade de uma aposta clara no SNS público e não no privado.
Urge reforçar-se a Via Verde AVC, validando no máximo cinco circuitos possíveis enquanto vias dedicadas de tratamento imediato, rede pública com mais camas e mais unidades de convalescença podendo assim dar, uma resposta continuada à reabilitação do doente.
A opção desregulada de complementaridade entre sectores público e privado, tem dado péssimos resultados. Nesta e noutras áreas (maternidades, transplantes, doenças raras, situações congénitas, doenças oncológicas ou acesso a medicamentos biológicos) o sector privado não responde e nenhuma seguradora cobre, devido ao facto de o financiamento ser complexo e multifatorial, de lucro imprevisível!
No AVC, e em tantas outras áreas complexas, é necessário estar definida a “Rede de Referenciação” e alocar-lhe os devidos meios financeiros e humanos, que incluem equipas multiprofissionais de várias especialidades médicas, transporte apropriado, disponibilidade de trombólise endovenosa imediata, fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional, não se podendo limitar ao financiamento unitário do “cheque consulta” ou “cirúrgico”.
É verdade, nada mudou em termos de resultados com o anterior Governo e a criação da Direção Executiva do SNS, e muito menos com a implementação da maior reforma do SNS, as 38 novas Unidades Locais de Saúde (ULS).
As redes de referenciação tão necessárias, ultrapassam as dinâmicas burocráticas das ULS, visto que devem ser construídas numa lógica centrada nas necessidades da população e com base em critérios de distribuição e rácios, previamente definidos, de instalações, equipamentos, recursos humanos e financiamento, logo, numa lógica organizativa inter-dependente e colaborativa.
Este novo governo, ou melhor, o programa eleitoral da AD é explícito: recorrer mais a privados e ao sector social, introduzindo uma lógica de “competição regulada” no sector.
Se assim for, não teremos com toda a certeza melhores resultados no AVC e noutras áreas que necessitam de desenvolver e qualificar as “Redes de Referenciação” públicas.
Porque é mesmo “preciso mudar”, necessitamos de aprender com o diagnóstico critico, bem documentado por fontes sérias e idôneas, recusando a adoção de uma lógica de mercado na prestação de cuidados avulsos, reforçando os meios do SNS e das suas Redes de Referenciação, criando os Sistemas Locais de Saúde (SLS) e definindo a cooperação intersectorial.

QOSHE - AVC – Setor Privado e Social que papel? - João Rodrigues
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AVC – Setor Privado e Social que papel?

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10.04.2024

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma emergência médica, sendo atualmente a principal causa de morte e incapacidade permanente em Portugal.
No nosso país, por hora, três pessoas têm um AVC. Dessas, uma morre e outra fica com sequelas incapacitantes. 14% dos AVC dão-se em pessoas entre os 15 e os 49 anos, uma em cada quatro pessoas que ficam com sequelas são desta faixa etária.
Num estudo recente, relatado no jornal Expresso de 5 de abril, Pedro Maciel Barbosa, investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), concluiu que a nível nacional, coexistem onze percursos diferentes de reabilitação, fragmentando a resposta e criando heterogeneidade nos resultados, levando a que 70% dos sobreviventes de AVC não tenham acesso à reabilitação intensiva.
Além do diagnóstico e do tratamento do AVC na fase aguda, que se realiza na grande maioria nos hospitais do SNS, é imprescindível não descurar a reabilitação, ainda no hospital público e no........

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