O todo é maior do que a simples soma das suas partes. Este é um princípio fundamental para abordar os desafios socioecológicos contemporâneos. Esta ideia desafia a visão enraizada na ciência moderna, desde Galileu e Descartes ao método científico, que tem sido marcada pela divisão da realidade em pequenas partes e pela consequente compartimentalização do conhecimento. Ora, apesar dos progressos técnico-científicos resultantes desta especialização, sabemos que isso tem limitado a nossa compreensão dos sistemas complexos e, no caso, a compreensão da realidade global que atualmente tanto nos desafia. O todo, o global, é maior e é mais, pois as interações e relações entre as partes que o constituem geram novas dinâmicas e até novas propriedades, novas relações e, por vezes, novos corpos. É neste contexto que sistemas complexos, partes do todo global, como, por exemplo, as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e as desigualdades sociais, não podem ser totalmente compreendidos através de uma visão fragmentada.
Enquanto cientistas sociais, dedicados a compreender a complexidade das interações sociais, defendemos que nestas estão incluídas as relações com a natureza. Integrar a natureza nesta dinâmica é reconhecer-lhe a sua agência. O cuidado pela natureza é um preceito moral e ético que assenta na ideia de que os seres humanos têm a responsabilidade de cuidar da natureza e seus elementos, não apenas por razões utilitárias, na medida em que é da nossa articulação enquanto organismo total que se garante a vida, mas também por um sentido de respeito, de pertença e de conexão intrínseca. Integrar a natureza não é apenas incluí-la, mas incorporá-la num sistema maior do qual somos parte. Isso requer uma penetração mais profunda nas estruturas sociais, ultrapassando uma abordagem teórica e implicando mudanças práticas. Exige repensar a forma como estruturamos as nossas instituições, as nossas relações sociais, económicas, os nossos valores, a nossa perceção e a forma como significamos e interagimos com a natureza.
A interconexão entre e a incorporação das diversas dimensões da realidade — ecológica, social, cultural e epistemológica — exige uma abordagem holística. As questões ambientais não podem ser separadas das sociais: a degradação ambiental muitas vezes afeta desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis, enquanto as soluções sustentáveis podem promover a justiça social. A diversidade biológica está intrinsecamente ligada à diversidade cultural e epistemológica; e interinfluenciam-se.
A ideia de que ‘o todo é mais do que a simples soma das partes’ ressalta da necessidade de uma compreensão interconectada dos sistemas para resolver desafios globais, superando divisões do conhecimento ou antagonismos socioculturais e promovendo um equilíbrio sustentável.
Com a colaboração de Diogo Guedes Vidal,
Sociólogo e Investigador & Vanda Viegas, Investigadora.

QOSHE - interconexão, incorporação e sustentabilidade - Fátima Alves
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interconexão, incorporação e sustentabilidade

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18.11.2023

O todo é maior do que a simples soma das suas partes. Este é um princípio fundamental para abordar os desafios socioecológicos contemporâneos. Esta ideia desafia a visão enraizada na ciência moderna, desde Galileu e Descartes ao método científico, que tem sido marcada pela divisão da realidade em pequenas partes e pela consequente compartimentalização do conhecimento. Ora, apesar dos progressos técnico-científicos resultantes desta especialização, sabemos que isso tem limitado a nossa compreensão dos sistemas complexos e, no caso, a compreensão da realidade global que atualmente tanto nos desafia. O todo, o global, é maior e é mais, pois as interações e relações entre as partes que o constituem geram novas........

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