Será plausível a “estranha morte do ocidente”? A frase/interrogação é uma utilização, com as devidas adaptações, do título de Douglas Murray, a saber: “A estranha morte da Europa. Imigração, Identidade, Religião” (“The strange death of Europe”, 2017 – tradução e edição em português das Edições Desassossego). Murray expõe-nos e disserta sobre a questão mal compreendida e, sobretudo, mal praticada do multiculturalismo na Europa. Considera, em síntese, que os paradoxos, as confusões axiológicas e os relativismos europeus, terão originado más políticas de integração. Más políticas de integração ou um desnorteado e equívoco sentido de multiculturalismo, prejudicando a Europa e em nada beneficiando a integração humanista dos imigrantes, refugiados e de todos os grupos étnicos e populacionais que desembarcam (procuram) a Europa, quer pelas boas e compreensíveis razões (melhoria das condições de vida, sobrevivência, etc.), mas também pelas más!
Ora, a interrogação ou, em rigor, a inquietação que começamos por exprimir, impõe-se, agora, em ano de múltiplas eleições por toda a Europa (ainda há uma semana saímos, - nós, portugueses – das nossas “legislativas”) e em tempo de impasse nas guerras.

Prestemos atenção, agora, à guerra na Ucrânia. No “teatro” das operações vive-se um impasse momentâneo que, contudo, aponta para uma vantagem bélica das forças russas. Há reações e contra-ataques das forças da Ucrânia, sobretudo com os “drones” que vão atingindo alguns alvos importantes (mas escassos) da Rússia. Esse avanço russo resulta igualmente de uma inação do dito ocidente, dos Estados Unidos e da Europa (“grosso modo”), no que respeita ao efetivo apoio militar (armas e, candentemente, munições) à Ucrânia. Vamos atalhar e dispensarmo-nos, agora, de explicitações mais desenvolvidas, mas e em síntese, encara-se no ocidente a guerra na Ucrânia como uma guerra da Europa (e, portanto, do próprio ocidente) para defender o seu “modo de vida”, a sua vivência democrática, os seus valores e a sua civilização (pós) Iluminista. E, de um modo ou outro, a sua autonomia estratégica e, naturalmente, também económica. É uma guerra de defesa da Europa que se trava na Ucrânia, face a um invasor totalitário e expansionista. E vamos ser claros: não é só uma questão de valores e de defesa da uma ideia de liberdade, de vivência democrática que se for porventura infetada e diminuída, acabará por, a prazo, não sobreviver.

O vírus do totalitarismo expande-se também por mimetismo, pelo exemplo e pela sensação /certeza da impunidade e de não-reação: veja-se o caso (correlacionado) do “timing” da afirmação dos intuitos expansionistas (justificados historicamente ou não…agora não é isso que se discute!) da Venezuela. Veja-se a situação do enclave de Nagorno-Karabakh. E, no fim da linha, estará igualmente em causa o nosso conforto material, o nosso “modo de vida” de bem-estar, já que as implicações estratégicas, a expansão da influência geopolítica e das políticas de ameaça, acabam por ser repercutidas nos interesses económicos da Europa e do ocidente, prejudicando-os.
Putin joga com o tempo, como sempre jogou a partir do momento em que se verificou não conseguir derrubar Kiev rapidamente. Como ele próprio já o afirmou, joga na suposta tibieza das populações europeias (e ocidentais), acomodadas ao bem-estar de que desfrutam (muito ou pouco!).

Kant dizia que as democracias tinham essa desvantagem face aos governos dos déspotas: não podem ignorar, no fundo, as suas opiniões públicas (usando uma terminologia atual). E, na verdade, quanto mais tempo durar o estado de impasse, mais vantagem ganha a Rússia e Putin. Poderão desmoronar-se (embora progressivamente) quer o apoio e solidariedade, quer a convicção de necessidade de vitória europeias, face ao incómodo de vida de todos nós, originado (realmente ou alegadamente) pela guerra. E depois há a nossa (ocidental) volátil “opinião pública” que é de modas (mediáticas) e se cansa….
Perante este estado de coisas, temos a situação interna nos Estados-Unidos que, com o seu típico “americano-centrismo”, acham que, no fundo, fazem um favor ao mundo, desenvolvendo-se militarmente e sendo “peça -chave” na segurança do dito ocidente. Temos as hesitações políticas europeias – agora já num estado que toca a incompreensão e/ou irracionalidade – aliadas à sua histórica incapacidade militar para prestar um auxílio efetivamente decisivo, à resistência Ucraniana (e, portanto, europeia).

Estamos, neste ano de eleições (várias) na Europa, num momento decisivo. Há que ter/desencadear um “efeito-Churchill” (a História da 2ª Grande Guerra é elucidativa! E as suas similitudes com situação atual, também). Há que fazer um esforço de guerra (embora indireto, pois ninguém quer uma terceira guerra mundial!) na Europa, em prol de si mesma, da sua História e da preservação do modo de vida (a prazo) dos seus povos.
Compreendo, por isso, as polémicas declarações ou “murro na mesa” do Presidente Macron. É o receio de que nós, a Europa, não estejamos à altura da nossa própria identidade e História. Morrendo, portanto, a Europa que conhecemos e fomos construindo.

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“O “murro na mesa” de Macron”

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16.03.2024

Será plausível a “estranha morte do ocidente”? A frase/interrogação é uma utilização, com as devidas adaptações, do título de Douglas Murray, a saber: “A estranha morte da Europa. Imigração, Identidade, Religião” (“The strange death of Europe”, 2017 – tradução e edição em português das Edições Desassossego). Murray expõe-nos e disserta sobre a questão mal compreendida e, sobretudo, mal praticada do multiculturalismo na Europa. Considera, em síntese, que os paradoxos, as confusões axiológicas e os relativismos europeus, terão originado más políticas de integração. Más políticas de integração ou um desnorteado e equívoco sentido de multiculturalismo, prejudicando a Europa e em nada beneficiando a integração humanista dos imigrantes, refugiados e de todos os grupos étnicos e populacionais que desembarcam (procuram) a Europa, quer pelas boas e compreensíveis razões (melhoria das condições de vida, sobrevivência, etc.), mas também pelas más!
Ora, a interrogação ou, em rigor, a inquietação que começamos por exprimir, impõe-se, agora, em ano de múltiplas eleições por toda a Europa (ainda há uma semana saímos, - nós, portugueses – das nossas “legislativas”) e em tempo de impasse nas guerras.

Prestemos atenção, agora, à guerra na Ucrânia. No “teatro” das operações vive-se um impasse momentâneo que, contudo, aponta........

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