Natal. No próximo domingo, teremos noite de consoada. Véspera de Natal. E há coisas natalícias que me suscitam recorrentemente irritação! As velhas musiquinhas de Natal, repetitivas e que apenas dão sinais (sons) de vida, durante esta “quadra”. Acho que já sei de cor o “Last Christmas” – ouço sempre e em todo o lado essa velha canção de Natal, delicodoce como os sonhos da gastronomia da época! Os intensos e desesperantes engarrafamentos; o trânsito excessivo, caótico, assume também, por estes dias, um frenesim desesperado, agressivo (mais agressivo do que habitualmente). Frenesim só comparável com o das compras de tudo e de “mais não sei o quê”, parafraseando uma conhecida campanha publicitária. Haja ou não mais ou menos inflação. No meio dessa histeria natalícia-coletiva, o sentido da celebração do Natal (sentido religioso, humano, de solidariedade) perde-se. Mas isso, notar-se isso, já é um lugar-comum e, realmente, não interessa nada!...

Outra coisa da época com a qual me sinto relativamente desconfortável, é o velho hábito – sobretudo na imprensa – de se fazerem balanços! De tudo e de nada. O fim do ano aproxima-se e, portanto, há que contabilizar o bom e o mau; o que sucedeu e o que se prevê que sucederá. Psicologicamente, gostamos de arrumar as coisas da vida. Em prateleiras separadas. Irrealisticamente, isso dá-nos o conforto de nos sentirmos mais seguros. Temos a ilusão de melhor compreendermos o que sucede e, sobretudo, o ilusório descanso de que sabemos o que vai acontecer. Para tal, os balanços até serão bons! Podem ser inconsequentes. Mas dão-nos uma sensação de algum domínio sobre a imprevisibilidade da vida que fracionamos e arrumamos em compartimentos estanques (a política, interna e internacional, a economia, o desporto, a arte, etc.).

Não sei se será, ou não, um facto a destacar pelos inevitáveis balanços da época, mas muito relevante, esperançoso e, diria mesmo, natalício, é o acordo político que, na passada quarta-feira, os Estados-membros e o Parlamento Europeu, alcançaram sobre o “Novo Pacto em matéria de Migração e de Asilo”. A atual Presidência espanhola do Conselho tem o mérito de ter conseguido promover tal acordo, tendo em vista tornar o sistema europeu de asilo mais eficaz e solidário, desonerando um pouco a pesada carga e os problemas dos países onde chegam mais migrantes. A Declaração do Conselho realça o facto de se projetarem “(…) cinco leis da União que abrangem todas as fases da gestão do asilo e da migração, desde o rastreio dos migrantes ilegais (…), à recolha de dados biométricos, aos procedimentos para a apresentação e tratamento dos pedidos de asilo, às regras para determinar qual o Estado-membro responsável pelo tratamento de um pedido de asilo, à cooperação e solidariedade entre os Estados-membros e à forma de lidar com situações de crise (…)”. Depois de superadas as guerras que indiretamente envolvem e ameaçam o “modo de vida europeu”, a questão do controle dos migrantes é fundamental para a própria integração europeia. E, desde logo, com diretas repercussões políticas, como recentemente se observou nos Países Baixos e nas respetivas eleições.

Em contrapartida, nada natalício é o estado do nosso próprio Estado. Razões pessoais e, também, a observação de situações que envolvem pessoas que conheço, deixaram-me a pensar se existe mesmo Estado Social em Portugal. Em rigor, antes de “social”, se existe mesmo Estado… Talvez “Estado social” seja, cada vez mais, um “chavão” da narrativa política. Correspondendo a uma expressão vazia de sentido ou a uma ilusão.
Conheci o caso de alguém que se debateu com uma doença grave. Requeria uma intervenção cirúrgica urgente e um subsequente tratamento prolongado. O nosso SNS falhou. Desde logo, não foi possível providenciar a urgência que o próprio sistema prescreveu. Sem justificação compreensível. Por outro lado, um idoso teve, de repente, um problema de saúde não muito grave, porém, afetando a sua plena capacidade cognitiva. Seria imprescindível ter um apoio social – público. A sua autonomia de vida foi consideravelmente afetada, impedindo-o de viver sem cuidados ou, pelo menos, sem vigilância especializada. O Estado (Segurança Social e/ou SNS) pura e simplesmente não conseguiu dar resposta às suas necessidades. Felizmente (creio que o próprio sistema conta com isso mesmo!), tal idoso tinha alguns parcos recursos económicos – que gastará rapidamente – para providenciar, fora do quadro público, assistência para sobreviver…Mas, e quem nada ou muitíssimo pouco tem?! Sei que não é muito agradável, nem “sexy”, nem “fraturante”, nos tempos que correm, falar-se de envelhecimento ou de “políticas públicas de envelhecimento”. Mas, para que serve, afinal, o Estado?! Sobretudo, dito “social”?!

Realmente, talvez por mero acaso ou manifesta falta de sorte, tenho-me deparado com muitas situações em que o cidadão (português) está entregue a si próprio. Pelo menos, com o Estado (seja “social” ou não) não pode, de todo, contar. Não é fácil (podendo mesmo ser arriscado!) ser-se cidadão português. Num certo sentido, sobreviver (para os portugueses) já se assemelha a um milagre de Natal…

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“Bom Natal?!”

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23.12.2023

Natal. No próximo domingo, teremos noite de consoada. Véspera de Natal. E há coisas natalícias que me suscitam recorrentemente irritação! As velhas musiquinhas de Natal, repetitivas e que apenas dão sinais (sons) de vida, durante esta “quadra”. Acho que já sei de cor o “Last Christmas” – ouço sempre e em todo o lado essa velha canção de Natal, delicodoce como os sonhos da gastronomia da época! Os intensos e desesperantes engarrafamentos; o trânsito excessivo, caótico, assume também, por estes dias, um frenesim desesperado, agressivo (mais agressivo do que habitualmente). Frenesim só comparável com o das compras de tudo e de “mais não sei o quê”, parafraseando uma conhecida campanha publicitária. Haja ou não mais ou menos inflação. No meio dessa histeria natalícia-coletiva, o sentido da celebração do Natal (sentido religioso, humano, de solidariedade) perde-se. Mas isso, notar-se isso, já é um lugar-comum e, realmente, não interessa nada!...

Outra coisa da época com a qual me sinto relativamente desconfortável, é o velho hábito – sobretudo na imprensa – de se fazerem balanços! De tudo e de nada. O fim do ano aproxima-se e, portanto, há que contabilizar o bom e o mau; o que sucedeu e o que se prevê que sucederá. Psicologicamente, gostamos de arrumar as coisas da vida. Em prateleiras separadas. Irrealisticamente, isso dá-nos o conforto de nos........

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