Intriga-me o modo como a política, hoje, continua a ser feita, em grande medida, de acordo com os mesmos “dogmas” de há vinte ou trinta anos, sobre os comportamentos dos eleitores! E – note-se – a minha perplexidade não encerra propriamente uma crítica ou um juízo de censura. Não sei mesmo se tais “dogmas” serão ainda relativamente válidos, ou não, para orientarem/condicionarem o comportamento dos políticos – sobretudo, em campanhas eleitorais.
Observo que parte do eleitorado não responde a certos apelos regularmente feitos durante as campanhas. A população mais jovem está “digitalizada” ou em vias de “digitalização”. Os comícios de rua, por exemplo, nada significam para essas pessoas. Numa das últimas campanhas eleitorais assisti a uma tradicional (e, de forma sacrossanta, repetida) “arruada”. Todos os transeuntes (independentemente da idade) riam-se da manifestação; todos encaravam aquilo mais como uma espécie de circo (ridicularizando-o) do que como uma ação política. Muitos nem deveriam saber quem seriam os candidatos! Alguns eleitores, mergulhando nas lógicas instantâneas do mediatismo televisivo, aderem mais ao aspeto e à simpatia/ /genuinidade dos candidatos do que àquilo que dizem. Há lógicas diferentes de captação de votos, atualmente. Há causas simpáticas (mesmo quando conhecidas apenas superficialmente) e há temáticas que nada dizem às pessoas. Há uns anos, conheci muitos eleitores que votaram no PAN apenas por causa da afeição pelos animais. E pela ideia de que quem propunha uma ação (qualquer que fosse) a favor dos animais, seria um “não-político”.

Dava votos ser-se um “não-político”? Sim, dava em parte da população cansada não propriamente da política, mas da narrativa política habitual, estafada e tradicional. Creio que será importante conhecer-se bem a realidade e as preocupações dos vários segmentos da população para se projetar uma ação política eficaz. Quer dizer, que consiga captar o interesse de “fatias” significativas da população. O mesmo se aplica a certas “ideias-feitas” sobre o risco das “fake news”, das manipulações pela internet. Na ótica de certas forças partidárias, os resultados eleitorais obtidos, dever-se-iam predominantemente a manipulações pela internet. Numa espécie de autojustificação pelos (seus) próprios maus e/ou inesperados resultados. Certas forças políticas são especialistas na culpabilização de terceiros (bem entendido, essa culpa nunca é delas próprias!) por tudo o que aconteça e que não lhes agrade. Porém, as “’plataformas digitais”, a internet como modo normal de comunicação, são realidades, hoje, inultrapassáveis.

Os mais jovens dependem (em termos de aprendizagem e de informação) disso mesmo. Há, portanto, que atuar em conformidade. E não esquecer a realidade: há alguns estudos que nos vão elucidando sobre o modo como psicologicamente reagimos e “queremos” ser influenciados pelas notícias que, embora reconhecidamente falsas, nos “agradam” e captam a nossa atenção. Há que ser eficaz na comunicação política; há que antecipar as manipulações e combatê-las eficazmente. Temos eleitores que reagem cada vez menos a lógicas discursivas racionais e cada vez mais por impulso afetivo ou por conforto psicológico (independentemente do conteúdo objetivo da mensagem política). Todos estes aspetos serão, na minha ótica, temas relevantes de reflexão, sobretudo em 2024. Na verdade, este ano que agora se inicia é um “ano eleitoral” universal! Em novembro, realizar-se-ão as eleições norte-americanas. A geopolítica que interessa à Europa, dependerá, em muito, do resultado dessas eleições. Mas, independentemente dessas eleições com impacto geopolítico globalmente determinante, teremos já em março eleições em Portugal.

Em junho, teremos também eleições para o Parlamento Europeu. E concentrando-nos apenas na União, teremos ainda em junho as eleições federais na Bélgica e (durante o ano de 2024) eleições na Áustria. Teremos, também, eleições no Reino Unido, onde Sunak, em termos internos, está cada vez mais desaparecido…antecipando-se uma eventual vitória dos Trabalhistas, após doze anos de governos Conservadores. Já nem considero as eleições, também em março, na Rússia, cujo resultado, por antecipação, inevitável e infelizmente já conhecemos! A grande questão que percorre transversalmente todas estas eleições é a seguinte: haverá, ou não, uma deriva geral autoritária e potencialmente antidemocrática, nomeadamente, na Europa? Recordemos a importância – embora muitas vezes olvidada – do que é, para o nosso dia-a-dia, o tantas vezes invocado por Úrsula Van der Leyen “modo de vida europeu”. No “fim do dia” (no balanço deste ano de eleições), o que contará será a sua (do “modo de vida europeu” que conhecemos) preservação, ou não.
Voltaremos, oportunamente, à questão da imprescindibilidade desse “modo de vida europeu”...

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“2024. (Ano eleitoral universal)”

9 0
06.01.2024

Intriga-me o modo como a política, hoje, continua a ser feita, em grande medida, de acordo com os mesmos “dogmas” de há vinte ou trinta anos, sobre os comportamentos dos eleitores! E – note-se – a minha perplexidade não encerra propriamente uma crítica ou um juízo de censura. Não sei mesmo se tais “dogmas” serão ainda relativamente válidos, ou não, para orientarem/condicionarem o comportamento dos políticos – sobretudo, em campanhas eleitorais.
Observo que parte do eleitorado não responde a certos apelos regularmente feitos durante as campanhas. A população mais jovem está “digitalizada” ou em vias de “digitalização”. Os comícios de rua, por exemplo, nada significam para essas pessoas. Numa das últimas campanhas eleitorais assisti a uma tradicional (e, de forma sacrossanta, repetida) “arruada”. Todos os transeuntes (independentemente da idade) riam-se da manifestação; todos encaravam aquilo mais como uma espécie de circo (ridicularizando-o) do que como uma ação política. Muitos nem deveriam saber quem seriam os candidatos! Alguns eleitores, mergulhando nas lógicas instantâneas do mediatismo televisivo, aderem mais ao aspeto e à simpatia/ /genuinidade dos candidatos do que àquilo que dizem. Há lógicas diferentes de captação de votos, atualmente. Há causas........

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