A pandemia Covid-19 e a guerra na Ucrânia são mais uma prova da necessidade urgente da UE reforçar a sua autonomia estratégica. Tal não pode ser confundido com protecionismo ou isolacionismo. A UE tem de estar preparada para enfrentar um mundo global, interdependente, e altamente instável.
Na UE, temos a obrigação de defender os valores europeus, a Democracia e o Estado de Direito e assegurar a nossa defesa e segurança, competitividade, coesão e sustentabilidade. A possível eleição de Trump nas eleições presidenciais dos EUA dificulta estes objetivos, o que obriga a UE a unir-se e a investir no reforço da sua autonomia estratégica, desde logo na defesa. Temos de levar a sério as ameaças de Trump, que chega ao cúmulo de afirmar que encorajará a Rússia a atacar os países da NATO se estes não assumirem as suas contribuições financeiras. Estas declarações reforçam a necessidade da UE avançar para a União da defesa. Os países da UE que pertencem à NATO estão a gastar, em média, 1.5% do seu PIB para a defesa no âmbito da NATO, um valor abaixo da meta dos 2%. Prevê-se que os países que estão abaixo desses 2%, entre os quais Portugal que está com cerca de 1.5% do PIB, alcancem rapidamente essa meta.
A ameaça da Rússia é clara. Putin já afirmou que na Ucrânia está a combater a decadência do ocidente. O apoio que damos à Ucrânia é um investimento na nossa segurança e defesa. No Parlamento Europeu, fizemos o nosso trabalho e negociamos com o Conselho o Instrumento de Apoio à Ucrânia no valor de 50 mil milhões de euros para o período 2024/2027.
Mas não podemos ficar por aqui: a UE tem de reforçar o seu investimento global na defesa. Não defendo um exército militar europeu. Apoio a investigação e compras conjuntas, a interoperabilidade dos meios e a coordenação das forças militares. É de registar, com surpresa, que a soma dos orçamentos de defesa dos 27 Estados-Membros da UE é mais do triplo do orçamento de defesa da Rússia. A partilha neste domínio significa mais eficiência, mais força, mais capacidade e menos custos.
A invasão da Rússia mostrou como somos ingénuos. A Rússia tinha anexado ilegalmente a Crimeia e, no entanto, continuamos a comprar-lhe gás natural o que, na prática permitiu, o financiamento da guerra.
Defendo um Europa Geopolítica, com força global e a capacidade de defender e “exportar” os valores europeus. A defesa, energia, o digital, a segurança, saúde, proteção civil, ferrovia, são algumas das áreas em que precisamos de união, acordo entre os países e de forte investimento. Só assim reforçaremos a nossa autonomia. O acesso a matérias primas críticas, a investigação e inovação, as qualificações, a atração de investimento, favorecem uma Europa competitiva, onde a descarbonizarão não pode significar desindustrialização.
Há que reconhecer a urgência que temos de investir em tecnologias inovadoras e já estamos a dar passos pequenos, mas firmes. Na madrugada de 7 de fevereiro, chegamos a acordo com o Conselho e aprovamos a Plataforma para as Tecnologias Estratégicas da UE denominada STEP - para a qual fui negociador do Parlamento Europeu-, e que constitui um embrião para um Fundo Europeu de Soberania. O STEP é um instrumento essencial para o investimento em tecnologias críticas que permitirá a promoção de sinergias entre fundos, a redução da burocracia e o reforço da competitividade e da autonomia estratégica. Há três categorias de tecnologias que se incluem nesta plataforma: as tecnologias digitais - como a cibersegurança e a conectividade avançada - tecnologias limpas - como a as tecnologias associadas à produção e utilização de energia renovável e soluções energéticas inteligentes - e biotecnologia - como a biotecnologia agrícola.
Aos projetos STEP, será atribuído um “selo de soberania” que lhes dará visibilidade e melhores condições de acesso a financiamento. Estes projectos podem ser financiados por programas geridos diretamente pela Comissão Europeia, como o Horizonte Europa ou o InvestEU, mas, também, podem ser financiados pelos fundos da política de coesão. Aliás, para os projetos STEP financiados pela política de coesão há uma taxa de cofinanciamento de 100% e um pré-financiamento de 30%. Esta possibilidade implica que as autoridades nacionais e regionais façam uma seleção transparente dos projetos, escolhendo os que tenham qualidade, acrescentem valor e reforcem a autonomia estratégica da UE.
Não planear e não investir de forma integrada na nossa autonomia estratégica terá um enorme custo. Os governantes terão de deixar os egoísmos nacionais. Os 450 milhões de cidadãos europeus representam menos de 6% da população mundial. Temos a obrigação de formar um bloco aberto ao mundo, solidário interna e externamente, com força geopolítica, capaz de defender e promover os valores europeus e a democracia. Investir na autonomia estratégica da UE é defender o nosso modo de vida, é garantir o futuro e a qualidade vida dos cidadãos europeus.

Últimas Ideias

14 Fevereiro 2024

Filantropia de caserna

12 Fevereiro 2024

A era do tédio

Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos.

QOSHE - “Investir na autonomia da UE ” - José Manuel Fernandes
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

“Investir na autonomia da UE ”

3 0
15.02.2024

A pandemia Covid-19 e a guerra na Ucrânia são mais uma prova da necessidade urgente da UE reforçar a sua autonomia estratégica. Tal não pode ser confundido com protecionismo ou isolacionismo. A UE tem de estar preparada para enfrentar um mundo global, interdependente, e altamente instável.
Na UE, temos a obrigação de defender os valores europeus, a Democracia e o Estado de Direito e assegurar a nossa defesa e segurança, competitividade, coesão e sustentabilidade. A possível eleição de Trump nas eleições presidenciais dos EUA dificulta estes objetivos, o que obriga a UE a unir-se e a investir no reforço da sua autonomia estratégica, desde logo na defesa. Temos de levar a sério as ameaças de Trump, que chega ao cúmulo de afirmar que encorajará a Rússia a atacar os países da NATO se estes não assumirem as suas contribuições financeiras. Estas declarações reforçam a necessidade da UE avançar para a União da defesa. Os países da UE que pertencem à NATO estão a gastar, em média, 1.5% do seu PIB para a defesa no âmbito da NATO, um valor abaixo da meta dos 2%. Prevê-se que os países que estão abaixo desses 2%, entre os quais Portugal que está com cerca de 1.5% do PIB, alcancem rapidamente essa meta.
A ameaça da Rússia é clara. Putin já afirmou que na Ucrânia está a combater a........

© Correio do Minho


Get it on Google Play