Formada no Ceub, com passagem pelo Jornal de Brasília. Jornalista do Correio Braziliense desde 1998.

Uma menina, de apenas 12 anos, chegou ao hospital carregando o filho nos braços. Isso mesmo: o filho. Ela ainda estava com o cordão umbilical ligado ao corpo. Só de tentar imaginar uma cena dessa, nossa alma fica abalada. Uma criança mãe de outra criança. É daquelas perversidades que nos fazem questionar que espécie de seres nós somos.

A mãe da garotinha disse que ela engravidou porque usava a toalha e as cuecas do padrasto — segundo a polícia, o homem é o suspeito do estupro. O que vai acontecer com o criminoso? Ficará uns poucos anos na cadeia e ganhará as ruas novamente. Para a vítima, o sofrimento é irreparável. O corpinho e a infância violados, mãe em tão tenra idade. Traumas que vão acompanhá-la pelo resto da vida.

O tormento desta menina é semelhante ao de tantas outras crianças e adolescentes rotineiramente estuprados neste país. E o principal local dos ataques, na imensa maioria das vezes, é o lar, justamente onde deveriam estar seguros. Ou seja, pessoas que têm de protegê-los são as que mais cometem violências contra eles. Indefesos, tornam-se, assim, presas fáceis dos covardes.

Há outras faces cruéis desta realidade. Não raro, nos casos de abuso sexual cometido por pais, responsáveis ou parentes, forma-se um pacto de silêncio para preservar a "estrutura familiar". Assim, o predador continua a agir com toda liberdade. Além disso, meninos e meninas, muitas vezes, não compreendem que estão sofrendo uma violência, justamente porque ocorre no ambiente familiar, praticada por alguém de quem eles gostam. Ficam submetidos à brutalidade até entenderem o que está acontecendo. A partir daí, é muito comum terem vergonha ou se sentirem culpados. Então, não denunciam. Ou, se denunciam, por vezes, são desacreditados pelos familiares.

A barbárie da violência sexual contra crianças e adolescentes não é, nem de longe, devidamente enfrentada pelo Estado e pela sociedade. Mesmo formando a camada mais vulnerável da população, eles não contam com políticas efetivas para resguardá-los. Não são contemplados nem mesmo com campanhas semelhantes às do combate ao feminicídio. O assunto só ganha os holofotes no 18 de maio. Até quando fecharemos os olhos para esta atrocidade?

A sociedade também tem de agir, na cobrança a agentes públicos e nas denúncias. Faço aqui um apelo: se souber ou suspeitar de violência contra crianças e adolescentes, de qualquer tipo, acione delegacias e conselhos tutelares ou procure canais como o Disque 100 e o aplicativo Proteja Brasil. A denúncia pode interromper o martírio de quem não consegue se defender sozinho.

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QOSHE - Artigo: Casas de tormento - Cida Barbosa
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Artigo: Casas de tormento

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25.01.2024

Formada no Ceub, com passagem pelo Jornal de Brasília. Jornalista do Correio Braziliense desde 1998.

Uma menina, de apenas 12 anos, chegou ao hospital carregando o filho nos braços. Isso mesmo: o filho. Ela ainda estava com o cordão umbilical ligado ao corpo. Só de tentar imaginar uma cena dessa, nossa alma fica abalada. Uma criança mãe de outra criança. É daquelas perversidades que nos fazem questionar que espécie de seres nós somos.

A mãe da garotinha disse que ela engravidou porque usava a toalha e as cuecas do padrasto — segundo a polícia, o homem é o suspeito do estupro. O que vai acontecer com o criminoso? Ficará uns poucos anos na cadeia e ganhará as ruas novamente. Para a vítima, o sofrimento é irreparável. O corpinho e a infância violados, mãe em tão tenra idade.........

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