Formada no Ceub, com passagem pelo Jornal de Brasília. Jornalista do Correio Braziliense desde 1998.

O Brasil é um país que tem a hedionda cultura de espancar crianças e adolescentes para "educá-los". Eles são vistos como propriedade de pais ou responsáveis, que teriam, portanto, a prerrogativa de aplicar castigos físicos e psicológicos para "discipliná-los". Eu me arrisco a dizer que é mais fácil alguém se indignar e interferir ao ver um animal sendo machucado do que ante uma agressão a meninos ou meninas.

A naturalização da crueldade contra esse público vulnerável é mostrada em números: 64% da população admite que não tomaria nenhuma atitude ao presenciar uma ação violenta contra criança ou adolescente. E as justificativas para a inércia são igualmente estarrecedoras — 22%, por acharem que "cada um toma conta da própria vida"; 25%, por "não terem conhecimento dos motivos da violência"; e 17% dizem que gostariam de intervir, mas ficariam constrangidos.

Os dados são da Pesquisa Nacional sobre Atitudes e Percepções sobre Maus-tratos e Violência contra Crianças e Adolescentes no Brasil, realizada pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal, pela Vital Strategies e pelo Instituto Galo da Manhã. Conforme o levantamento, 25% dos entrevistados consideram que dar um tapa para educar ou corrigir é uma prática educativa aceitável, e 52% já tomaram essa atitude com seus meninos ou meninas. Na avaliação de 16%, bater com objeto também é tolerável, e 38% já o fizeram.

A Lei Menino Bernardo, também conhecida como Lei da Palmada, enfatiza que "a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los". A lei está em vigor desde 2014, mas poucos sabem de sua existência.

Até quando vamos ignorar essa chaga, esses métodos medievais de "processo educativo"? É urgente acabar com a invisibilidade da violência contra meninos e meninas, implementar políticas públicas para combatê-la e conscientizar e engajar a população nesse enfrentamento. Como destacou a pesquisa, é necessário, também, o fortalecimento dos serviços de suporte às famílias e de atendimento às vítimas.

Machucar uma criança é um ato covarde, praticado por alguém maior do que ela, alguém que deveria protegê-la. Um atentado contra uma vítima incapaz de se defender. Os abusos ferem a dignidade e podem impactar a saúde física e mental desse público pelo resto da vida.

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Artigo: A naturalização da violência

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16.11.2023

Formada no Ceub, com passagem pelo Jornal de Brasília. Jornalista do Correio Braziliense desde 1998.

O Brasil é um país que tem a hedionda cultura de espancar crianças e adolescentes para "educá-los". Eles são vistos como propriedade de pais ou responsáveis, que teriam, portanto, a prerrogativa de aplicar castigos físicos e psicológicos para "discipliná-los". Eu me arrisco a dizer que é mais fácil alguém se indignar e interferir ao ver um animal sendo machucado do que ante uma agressão a meninos ou meninas.

A naturalização da crueldade contra esse público vulnerável é mostrada em números: 64% da população admite que não tomaria nenhuma atitude ao presenciar uma ação violenta contra criança ou adolescente. E as justificativas para a inércia são igualmente estarrecedoras — 22%, por acharem que "cada um toma........

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