Uma das principais ameaças ao mundo moderno é sem dúvida o crescimento do purismo político e a perda de poder dos chamados moderados.

A tribalização política, enquanto fenómeno, é também responsável pelo agravamento dos conflitos no mundo e da sua mais difícil resolução.

A problemática Israel-Palestina é talvez o conflito atual mais relevante nascido do resultado da II Guerra Mundial, que continua ativo de forma mais ou menos grave ao longo dos anos.

Hoje temos o extremar de opiniões na comunicação social, na opinião pública e nas organizações políticas, que tendem cada um à sua maneira, colocar toda a culpa numa das fações, procurando respostas fáceis para problemas extremamente complexos, enquanto desconsideram, ou pior, desumanizam o adversário.

Ironicamente, o ataque do Hamas no passado dia de 7 de outubro foi provavelmente originado por ações indiretas de outras nações árabes do Médio Oriente.

O Hamas agiu de forma desesperada, mas planeada e muito consciente estratégicamente, sentindo o aparecimento de um novo bloco na região, onde nações como a Arábia Saudita, o Egipto, os Emirados Árabes Unidos, entre outros, normalizavam relações com Israel, estabelecendo colaborações regulares em diversas áreas, incluindo em assuntos de defesa e segurança.

Aqui, os acordos de Abraão durante a administração Trump, e agora, este foco da administração Biden na normalização da relação de Israel com a Arábia Saudita, tiveram um papel central.

Para os elementos do Hamas, ter Israel como parte ativa e colaborativa da região são más notícias. Um ataque em território israelita teria como objetivo destabilizar este bloco, sabendo de antemão, que a resposta israelita seria em alguns casos bastante disporpocional, aliás, como todos podemos ver nas imagens e videos diários vindos da Faixa de Gaza.

Parte do objetivo foi cumprido. Existe a perversa intenção do Hamas que mais vidas palestinianas sejam tiradas, para que o dia 7 de outubro seja cada vez mais irrelevante, perante a catastrofe humanitária que se desenvolve em Gaza, como António Guterres ou a OMS já tiveram oportunidade de aludir várias vezes.

Enfrentar o Hamas não é uma tarefa fácil, são um grupo altamente descentralizado, com a agravante de terem neste momento reféns, o que oferece alguma margem de manobra.

Do lado de Israel, Benjamin Netanyahu continua um jogo de influência política que agora se estende ao sector militar de Israel.

Apoiado por políticos extremistas, Netanyahu procura eliminar completamente o Hamas, à custa da população civil de Gaza, algo que pode ser contraproducente, por duas razões especificas.

A primeira, o aumento do apoio ao extremismo do Hamas no seio da população palestiniana de Gaza, devido à morte e destruição aplicadas pelo exercito israelita na região.

A segunda, pelo aumento da pressão internacional relativamente a essa mesma destruição e morte, sendo que é possível uma diminuição do apoio à causa (legítima) israelita.

Israel não pode cair nos mesmos erros do passado. Existem questões sérias que jogam contra Israel na atualidade, por exemplo, os colonatos ilegais na Cisjordânia, que aumentam as desconfianças dos palestinanos.

O medo que acontecimentos históricos como o Nakba (a expulsão de mais de 700 mil árabes-palestinianos) continua presente e isso mina a própria autodeterminação e existência do Estado de Israel, que tem como um dos elementos pilares a coexistência pacífica, não só com a Palestina, como com os outros Estados árabes vizinhos, cuja relação está intimamente ligada com o tratamento israelita relativamente aos palestinianos.

Israel não sobrevive sem paz na região, e esse é também um dos principais objetivos do seu principal aliado, os EUA.

Ao contrário da percepção de alguns, os EUA tem sido uma das vozes de apaziguamento neste conflito, procurando sempre salientar a solução «Dois Estados».

O veto no Conselho de Segurança da ONU por parte dos americanos, para um eventual cessar fogo, originou uma série de criticas a nivel internacional, tendo em conta a conhecida situação de desastre humanitário vivido na Faixa de Gaza.

Essas criticas são em parte legítimas, tendo em conta o sofrimento da população civil.

Por outro lado, falham na análise realista que deve ser feita ao que acontece no terreno.

Essa análise deve estar desligada dos objetivos do governo de Netanyahu e sim focada num conjunto de factores fulcrais, como a criação de linhas de apoio humanitário crediveis à população civil e à libertação de reféns, ao mesmo tempo que se sublinha o direito de defesa de Israel e a condenação do Hamas.

Os paradoxos existem e devem ser considerados. Se não os considerarmos corremos o risco do conflito se reacender vezes sem conta, com a possibilidade futura da envolvência mais direta de outras potências regionais, como o Irão.

Como mencionei no início deste texto, na arena pública existe cada vez mais um afastamento de posições.

No entanto, existe algo que ambos os lados necessitam de compreender: a solução «Dois Estados» apenas pode ser alcançada por comprometimento de ambos israelitas (Estado de Israel) e palestinianos (Autoridade Nacional Palestiniana) e a negociação de medidas e políticas moderadas.

É necessário compreender que a continua violação de direitos civis de palestinianos por parte de Israel é parte do problema, mas que também o é a legitimação de grupos terroristas como o Hamas.

Adicionalmente, é necessário compreender que ambos judeus como palestinianos estão historicamente ligados à região, sendo que têm igual legitimidade para se estabelecer, autodeterminar-se e viver em coexistência pacífica com os restantes países da região.

Nenhum destes povos tem legitimidade para apagar o outro, invocando o célebre «do rio ao mar», numa alusão clara à destruição de Israel ou Palestina.

Será também importante ter em conta as dinâmicas da região e a influência de países vizinhos neste conflito. Se desconsiderar-mos Irão ou o grupo Hezbollah, a maioria dos restantes Estados árabes vizinhos não consideram como positivaa esta reativação do Hamas, enquanto grupo capaz de realizar ataques sofisticados e coordenados.

O Hamas é uma ameaça à estabilidade do Médio Oriente, ao crescimento económico, à atração de investimento e até à própria integridade territorial dos diferentes países (ex. Líbano).

Existe também a importância de perceber como uma operação desta complexidade (7 de outubro) foi realizada, pois tal como em 1973 na Guerra de Yim Kippur, não se percebe bem que potências ou entidades estarão envolvidas no apoio e planeamento destas operações.

No ataque de 7 de outubro, já se falou no Irão (apesar de não haver provas), na Rússia (apesar de não haver provas), mas não existe nada de concreto, sem ser os falhanços na comunicação das comunidades de inteligência (incluindo as árabes).

A verdade é que um mundo menos compacto e a emergência de novos blocos rivais também facilita o financiamento e a realização de operações como as que se verificaram.

Este falhanço na rede de proteção de Israel também irá ditar o afastamento de Netanyahu, que terá de responder perante a população israelita pelo aumento da instabilidade e conflito.

A sua saida de cena vai permitir a emergência de um bloco mais moderado e ao centro, liderado por Benny Gantz e uma real chance de novas e renovadas negociações com a Autoridade Nacional Palestiniana, desta vez com real envolvimento de outras nações árabes e claro, os EUA.

Por fim, é importante perceber que a resolução passa por comprometimento, admitindo a legitimidade da outra parte. Não significa que não possamos compreender que o poderio militar e económico de Israel é muito superior ao dos palestinianos, que estão numa posição muito mais fragilizada.

Neste momento, uma das mais preparadas forças militares a nivel internacional está a bombardear incessantemente um pequeno enclave de 40 quilómetros de extensão, sem possibilidade de fuga para grande parte da sua população de quase 2 milhões de pessoas.

Mas no meio de toda esta tragédia, importa termos noção que se abre uma real oportunidade de negociação para encontrar soluções duradouras, porque será impossível voltar ao status quo anterior aos acontecimentos de 7 de outubro.

É mais difícil no dia de hoje ser moderado, e isso pode dificultar a resolução deste conflito, que se prolongou muito mais do que o suposto, perdendo assim a oportunidade de ser resolvido quando o mundo era um local mais seguro e com muitos mais consensos do que atualmente.

Miguel Braz | Consultor internacional de negócios.

QOSHE - Israel e Palestina não são do rio ao mar - Miguel Braz
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Israel e Palestina não são do rio ao mar

10 0
26.02.2024

Uma das principais ameaças ao mundo moderno é sem dúvida o crescimento do purismo político e a perda de poder dos chamados moderados.

A tribalização política, enquanto fenómeno, é também responsável pelo agravamento dos conflitos no mundo e da sua mais difícil resolução.

A problemática Israel-Palestina é talvez o conflito atual mais relevante nascido do resultado da II Guerra Mundial, que continua ativo de forma mais ou menos grave ao longo dos anos.

Hoje temos o extremar de opiniões na comunicação social, na opinião pública e nas organizações políticas, que tendem cada um à sua maneira, colocar toda a culpa numa das fações, procurando respostas fáceis para problemas extremamente complexos, enquanto desconsideram, ou pior, desumanizam o adversário.

Ironicamente, o ataque do Hamas no passado dia de 7 de outubro foi provavelmente originado por ações indiretas de outras nações árabes do Médio Oriente.

O Hamas agiu de forma desesperada, mas planeada e muito consciente estratégicamente, sentindo o aparecimento de um novo bloco na região, onde nações como a Arábia Saudita, o Egipto, os Emirados Árabes Unidos, entre outros, normalizavam relações com Israel, estabelecendo colaborações regulares em diversas áreas, incluindo em assuntos de defesa e segurança.

Aqui, os acordos de Abraão durante a administração Trump, e agora, este foco da administração Biden na normalização da relação de Israel com a Arábia Saudita, tiveram um papel central.

Para os elementos do Hamas, ter Israel como parte ativa e colaborativa da região são más notícias. Um ataque em território israelita teria como objetivo destabilizar este bloco, sabendo de antemão, que a resposta israelita seria em alguns casos bastante disporpocional, aliás, como todos podemos ver nas imagens e videos diários vindos da Faixa de Gaza.

Parte do objetivo foi cumprido. Existe a perversa intenção do Hamas que mais vidas palestinianas sejam tiradas, para que o dia 7 de outubro seja cada vez mais irrelevante, perante a catastrofe humanitária que se desenvolve em Gaza, como António Guterres ou a OMS já tiveram oportunidade de aludir várias vezes.

Enfrentar o Hamas........

© Barlavento


Get it on Google Play