É um lugar-comum a indignação contra a mentira. Apontamos o dedo acusatório aos mentirosos, convictos da corrupção moral que representam, abanamos a cabeça, juramos não compreender como é que alguém pode mentir e suspiramos resignados para mostrar aos outros a profundidade da nossa revolta. Contudo, é evidente que todos mentimos.

Mentimos para dissolver momentos sociais embaraçosos (fica-te bem esse corte de cabelo!) ou para autopreservação (só bebi uma cerveja). E, às vezes, até mentimos para consolar alguém (vai correr tudo bem, não te preocupes). Mas as mentiras são como o veneno, é a dose que importa.

Há mentiras e mentiras. Contudo, somos quase sempre ingénuos em relação à mentira. Achamos que os melhores mentirosos são os que não são apanhados. E que apanhar alguém em flagrante será um momento de irreparável dano reputacional. Desenganem-se. Há quem minta sabendo, desde logo, que vai ser apanhado. De que outra forma se explica que o atual primeiro-ministro, Luís Montenegro, anuncie em campanha eleitoral e depois na Assembleia da República um corte nos impostos no valor de 1.500 milhões de euros, para seguidamente o ministro das Finanças dizer que afinal é de apenas 200 milhões, porque os outros 1.300 milhões já vinham do anterior governo? Porque acreditam que o benefício da mentira (ganhar as eleições) ultrapassa largamente o seu prejuízo. Reparem no paradoxo de os próprios mentirosos admitirem a falsidade, denunciando claramente a sua premeditação. Por que é que o fazem? Porque acham que as pessoas têm memória curta, que o vertiginoso ciclo mediático trará outros escândalos para distrair o povo e, uma vez que o dinheiro esteja no bolso, poucos serão aqueles que se vão recordar que a maior parte da devolução foi feita pelo governo PS.

Vivemos num mundo em permanente convulsão. De alguma forma, Benjamin Netanyahu decide bombardear a embaixada do Irão na Síria sem nunca o admitir, violando descaradamente a lei internacional. Uma manobra de diversão claramente desenhada para desencadear uma retaliação por parte do Irão, vitimizando Israel, enquanto em Gaza, a morte e a fome continuam. Netanyahu é um mentiroso muito bem sucedido.

Infelizmente, a mentira compensa. E se todos mentem, para quê darmo-nos ao trabalho de dizer a verdade? Simplesmente porque é insustentável. A verdade é a única forma de nos aproximarmos da realidade material dos factos. A acumulação de mentiras distorce a realidade e leva, inexoravelmente, ao desmantelamento da justiça, da sustentabilidade e, nunca é de somenos realçar, da decência. As mentiras existem para beneficiar uns em detrimento de outros. A verdade existe para nos podermos ajudar uns aos outros. O medo e a raiva podem convencer-nos a mentir, mas só beneficiam quem quer viver no mundo dos factos alternativos. De tanto mentir vamos convencer as pessoas de que não existe verdade. Ou como já alguém disse, um mentiroso começa por fazer a falsidade parecer verdade e termina fazendo com que a própria verdade pareça falsidade.

QOSHE - Os melhores mentirosos são aqueles que querem ser apanhados - João Ferreira
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Os melhores mentirosos são aqueles que querem ser apanhados

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18.04.2024

É um lugar-comum a indignação contra a mentira. Apontamos o dedo acusatório aos mentirosos, convictos da corrupção moral que representam, abanamos a cabeça, juramos não compreender como é que alguém pode mentir e suspiramos resignados para mostrar aos outros a profundidade da nossa revolta. Contudo, é evidente que todos mentimos.

Mentimos para dissolver momentos sociais embaraçosos (fica-te bem esse corte de cabelo!) ou para autopreservação (só bebi uma cerveja). E, às vezes, até mentimos para consolar alguém (vai correr tudo bem, não te preocupes). Mas as mentiras são como o veneno, é a dose que importa.

Há mentiras e mentiras. Contudo, somos quase sempre ingénuos em relação à mentira. Achamos que os melhores mentirosos são os........

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