Hoje, os laços familiares vão mudando de sentido com as transformações da própria família ou da sua ausência por doenças, guerras ou catástrofes de vária ordem.

Daí haver uma diversidade das várias festas de Natal: Natal dos sem-abrigo, dos hospitais, das prisões, pena é que alguns países não consigam deixar de fazer guerra num tempo que devia ser apenas de paz universal.

Perante o que se está a passar no mundo, é normal que queiramos voltar pelo mesmo caminho que percorremos quando éramos jovens e felizes, especialmente nesta quadra de oiro: era uma espécie de estrela que procurávamos encontrar e seguir que nos levava a acreditar que o Natal era a festa da alegria, do perdão e da procura da conciliação entre todos. Para os mais velhos há, hoje, o sentimento de um Natal da saudade e para trás ficam sempre palavras de silêncio e de amor, de alegria e partilha… os pobres não eram esquecidos, mas sim lembrados na sua singeleza e humildade, na sua condição humana e sofredora a exemplo de Cristo Salvador.

Hoje, é diferente, dentro de casa, os homens não fazem barulho, usam sapatos leves mas gestos descoordenados e quase não se dá por eles porque não trocam palavras, apenas olhares e acenos indecifráveis como se tudo fosse estranho e vazio, como se o Natal fosse simplesmente um frete e uma data só para gastar dinheiro e comer à fartazana. No Natal de outrora havia transparência luminosa, havia música, porque ela estava no coração de todos e os olhares ficavam límpidos como belas orações, como luz de verdade e amor.

Agora, parece que sem qualquer sentido prático queremos partir para qualquer lugar para não pertencermos a este inverno e ao frio que faz lá fora. Há jornais pelo chão para que o soalho não fique riscado quando arrastamos o volume das prendas onde arrumamos a lingerie, a pimenta, o peixe congelado e bebidas encomendadas de fora com sumptuosos rótulos, marcas sonantes para impressionar.

Agora, ali está a lareira de boca aberta, isenta de hálito, nada queimamos nela…temos medo que a chaminé não tenha uma boa tiragem e usamos esta caverna de mármore apenas como altar de uma jarra de flores bastante garridas e até profanas.

Daqui a um momento partimos, mas sem antes lembrarmos a lenha que dantes era roubada no matagal e carregada em carros de bois que os rapazes solteiros deviam puxar no monte até ao adro da igreja.

Cresci num tempo em que se encarava esta época como algo de felicidade, onde a noite de Natal passava veloz, tão depressa que Jesus parecia querer ficar mais tempo connosco.

Mas este tempo deve ser de festa e de votos de felicidade para todos.

Os meus vão sobretudo para as crianças e os velhos. Os primeiros, porque ainda não viveram o suficiente e os segundos, porque, quem sabe, já terão vivido demasiado.

QOSHE - Estamos a matar o Natal? - Adérito Silveira
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Estamos a matar o Natal?

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29.12.2023

Hoje, os laços familiares vão mudando de sentido com as transformações da própria família ou da sua ausência por doenças, guerras ou catástrofes de vária ordem.

Daí haver uma diversidade das várias festas de Natal: Natal dos sem-abrigo, dos hospitais, das prisões, pena é que alguns países não consigam deixar de fazer guerra num tempo que devia ser apenas de paz universal.

Perante o que se está a passar no mundo, é normal que queiramos voltar pelo mesmo caminho que percorremos quando éramos jovens e felizes, especialmente nesta quadra de oiro: era uma espécie de estrela que procurávamos encontrar e seguir que nos levava a acreditar que o Natal era a festa da alegria, do perdão e........

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