Pois é, como dizia Dylan, os tempos estão a mudar. Depois de décadas de impunidade, as claques começam a ser investigadas

O génio é intemporal. Não há génios velhos, nem há génios fora de moda. Os génios resistem ao tempo e ao conceito de passado. Bob Dylan é um desses casos. Canções escritas nos anos sessenta do século XX, quando a defesa dos direitos humanos nos Estados Unidos estava no centro de uma imensa revolução social e cultural, tornaram-se lendárias. Uma delas, The times they are a- changin’, escrita em 1964, representava um alerta quanto à força pujante da transformação geracional. Ninguém é insubstituível e ninguém deverá insistir em ir além do seu tempo. Por isso Dylan nos dizia na sua emblemática canção: «... a sua velha estrada/é rapidamente envelhecida/por favor saia da nova/ se não puder dar uma mão/ para os tempos que estão a mudar».

E, de facto, os tempos estão a mudar tão evidentemente que, até em Portugal, as claques de alguns clubes de futebol, que viveram décadas de impunidade, apesar da evidência dos seus desmandos, das suas ações escondidas numa opacidade conivente, da sua intolerância e violência, em confronto permanente com a liberdade de cada indivíduo e com as leis da República, estão, enfim, a ser alvo de investigação criminal.

Os jornalistas (e não só os da área do desporto) sofreram danos físicos e morais ao longo de muitos anos e as suas queixas perdiam-se na convicção serena das entidades públicas que viam todos os atropelos aos mais elementares direitos cívicos como alguns excessos «próprios do futebol». Como se houvesse uma lei para o país e outra para o futebol. Como se um cidadão que entrasse num estádio decidisse abdicar, por sua conta e risco. dos seus direitos essenciais. E, repito, foi assim durante décadas. Sucederam-se os governos, os parlamentos, os Presidentes da República e as entidades judiciais, mas o estado de impunidade das claques dos clubes de futebol e a tolerância para com o conluio óbvio e facilmente detetável entre essas guardas pretorianas e os principais dirigentes manteve-se sem ponta de remorso.

Sei do que falo. Lembro-me bem de certas assembleias exaltadas, no Sporting, no tempo em que sócios endoidecidos rasgavam os blocos de notas dos jornalistas, perante a passividade dos dirigentes; como recordo os tempos em que um presidente do Benfica mandava os jornalistas incómodos para uma bancada de imprensa, a que chamávamos a esplanada, colocada estrategicamente no meio da bancada dos sócios, sem qualquer resguardo ou controlo policial; e, evidentemente, que me recordo bem do clima de intimidação e das cenas de violência brutal no velho Estádio das Antas, no tempo do famigerado guarda Abel. Ninguém ligava a queixas e cada clube usava a sua guarda pretoriana à luz da conveniência dos seus regimes presidencialistas, absolutistas e, sobretudo, intocáveis.

Benfica e Sporting conheceram, ao nível da cadeia de sucessão de dirigentes e administradores, novas figuras, gente mais jovem, com uma visão mais responsável dos lugares que ocupam. Sobretudo no Sporting, clube que viveu o flagelo da invasão de Alcochete no consulado de Bruno de Carvalho, Frederico Varandas teve uma ação decisiva e corajosa na relação com as claques do seu clube. No FC Porto, porém, não houve qualquer alteração geracional e por isso nada mudou no que respeita ao velho conceito de se entender as claques como exército oficioso do regime, o que obriga a uma relação que, inevitavelmente, coloca a administração no universo da responsabilidade, pelo menos, moral das suas perversas ações. Saúde-se, pois, essa novidade histórica de vermos a polícia atuar, no futebol, em prol do estado de direito.

O Comité Olímpico entregou a todos os partidos com assento parlamentar um documento devidamente pensado e estruturado por onde poderão estudar não só a realidade do desporto e da atividade física em Portugal, como retirar algumas ideias fundamentais para agirem no setor, num quadro de responsabilidade de estado, que, em boa verdade, nunca tiveram. Não tenho a certeza de que neste período eleitoral algum partido gaste tempo com a questão do Desporto, porque a ditadura do voto se sobrepõe ao interesse nacional.

2024 será, mesmo, o ano de todas as eleições. O que não é de bom agoiro, porque os portugueses costumam ter dificuldade em decidir o que quer que seja. Mesmo assim, haverá uma cascata de votos. Teremos, na política interna, eleições para o Parlamento, e eleições nos Açores e na Madeira. Duvida-se que, em qualquer caso, se atinja a desejada estabilidade. Internacionalmente, teremos as eleições americanas, de impacto mundial, em novembro. E, não esquecer, teremos as eleições mais importantes para o FC Porto nas últimas quatro décadas.

QOSHE - ‘The times they are a-changin’ - Vitor Serpa
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‘The times they are a-changin’

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03.02.2024

Pois é, como dizia Dylan, os tempos estão a mudar. Depois de décadas de impunidade, as claques começam a ser investigadas

O génio é intemporal. Não há génios velhos, nem há génios fora de moda. Os génios resistem ao tempo e ao conceito de passado. Bob Dylan é um desses casos. Canções escritas nos anos sessenta do século XX, quando a defesa dos direitos humanos nos Estados Unidos estava no centro de uma imensa revolução social e cultural, tornaram-se lendárias. Uma delas, The times they are a- changin’, escrita em 1964, representava um alerta quanto à força pujante da transformação geracional. Ninguém é insubstituível e ninguém deverá insistir em ir além do seu tempo. Por isso Dylan nos dizia na sua emblemática canção: «... a sua velha estrada/é rapidamente envelhecida/por favor saia da nova/ se não puder dar uma mão/ para os tempos que estão a mudar».

E, de facto, os tempos estão a mudar tão evidentemente que, até em Portugal, as claques de alguns clubes de futebol, que viveram décadas de impunidade, apesar da evidência dos seus desmandos, das suas ações escondidas numa opacidade conivente, da sua intolerância e violência, em confronto permanente........

© A Bola


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