Abandonar o relvado logo após o apito final mostra permissividade da nossa arbitragem

Há seis anos, quando a implementação do videoárbitro (VAR) estava na ordem do dia, fui convidado pelo jornal inglês The Guardian a dar a minha opinião sobre a ferramenta. «É difícil dizer se sou a favor ou contra», comecei por responder, com a assertividade com que olho para o tema. As minhas reservas, pouco desenvolvidas no produto final, um vídeo partilhado com jornalistas de outros países, tinham a ver também com as quebras de ritmo que o VAR provocaria nos jogos, mas sobretudo pela convicção do quão utópica era a perspetiva de que a ferramenta permitiria reduzir o ruído em torno da arbitragem.

Os jogadores erram mais do que os árbitros, mas dirigentes e treinadores insistem em usar a terceira equipa para escamotear erros perante os adeptos. Nada mudou nos últimos anos. Nem podia mudar com uma ferramenta que não deixa de estar à mercê da subjetiva interpretação humana, mesmo quando se trata de colocar linhas de fora de jogo. Não quer isto dizer que a introdução do VAR tenha sido um erro. Apenas prova que o futuro da arbitragem precisa de mudanças bem mais profundas, que a revolução não passa no monitor.

Ao tomar posse como presidente da Mesa da Assembleia Geral da APAF, anteontem, o árbitro Luís Godinho defendeu que a liberdade dada por abril «foi traída». Não consigo subscrever em pleno a opinião de que Portugal também tem grandes árbitros, mas concordo que a classe se deve mostrar mais, sem que isso implique necessariamente vir a público explicar decisões. Mais: apoio totalmente a ideia que a liberdade de expressão é um direito que dá o dever de pesar aquilo que se diz.

Se o erro do árbitro faz parte do jogo, então deve ser escrutinado na mesma medida que o penálti falhado ou a substituição mal pensada. Quando a análise coloca em causa a integridade de quem apita, então a ação disciplinar deve ser implacável, mas no contexto português essa fronteira está muito mal vincada e as penalizações não assustam ninguém. Dentro de campo a autoridade também não se faz sentir, ou é aplicada de forma pouco coerente, e isso dá margem para que os jogadores ultrapassem limites.

O fio condutor é a permissividade, bem patente na indicação recente para que as equipas de arbitragem abandonem o relvado logo após o apito final, de forma a fugir à confrontação, virando costas ao dever.

Tão desprotegida no presente, como pode a arbitragem desejar outro futuro? O que está a ser feito para garantir que as novas gerações terão mais qualidade? Mais preocupante do que isso: como será possível garantir um número suficiente de árbitros, quando seguir essa carreira parece, ao dia de hoje, um misto de audácia e loucura?

Existem algumas iniciativas louváveis, mas nem sinal da revolução que a arbitragem portuguesa necessita para estar representada na Liga dos Campeões e não na Liga turca.

QOSHE - A revolução não passa no VAR - Nuno Travassos
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A revolução não passa no VAR

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14.04.2024

Abandonar o relvado logo após o apito final mostra permissividade da nossa arbitragem

Há seis anos, quando a implementação do videoárbitro (VAR) estava na ordem do dia, fui convidado pelo jornal inglês The Guardian a dar a minha opinião sobre a ferramenta. «É difícil dizer se sou a favor ou contra», comecei por responder, com a assertividade com que olho para o tema. As minhas reservas, pouco desenvolvidas no produto final, um vídeo partilhado com jornalistas de outros países, tinham a ver também com as quebras de ritmo que o VAR provocaria nos jogos, mas sobretudo pela convicção do quão utópica era a perspetiva de que a ferramenta permitiria reduzir o ruído em torno da arbitragem.

Os jogadores erram mais do........

© A Bola


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