«É mais fácil morrer por uma mulher do que viver com ela todos os dias» - Lord Byron. Do Livro do Desassossego de Jorge Pessoa e Silva

Assumindo o risco de não ser popular, devo confessar que não sou particular fã do Dia Internacional da Mulher. E que se fosse mulher haveria de o declinar sumariamente por não aceitar trocar os 365 dias de cada ano pelo 8 de março. E isso não impediria de, todos os dias, evocarmos a memória das mulheres que, em 1909, se rebelaram pelo direito ao voto nos Estados Unidos, ou, em 1917, marcharam na Rússia contra a fome e a I Guerra Mundial, fenómeno também na génese da Revolução Russa e, ambos, do Dia Internacional da Mulher.

No dia 8 de março eu fico em silêncio. Pelo menos ninguém me pode acusar de hipocrisia. Não vou gostar de muitas das declarações que vou ouvir a boca dos homens. Se eu fosse mulher, mandava-os calar. Nenhum homem deveria poder falar amanhã, muito menos sobre a Mulher. Já chega de paternalismo…

A minha missão como homem não é defender as mulheres, elas fazem isso bem melhor do que eu. O meu papel como homem é amá-las, forma superior de respeito. Não tenho de as compreender, não tenho de saber o que é melhor para elas. Quando se ama, dá-se todas as resposta que a mulher precisa e, não menos importante, que não precisa.

Assumindo o risco de não ser popular, devo confessar que não sou particular fã do sistema de quotas para a mulher. E que se fosse mulher haveria de o declinar sumariamente. Acho até um insulto, como se qualquer mulher precisasse de quotas para ter acesso a cargos para os quais está tão ou mais qualificada do que um homem. A mulher não precisa de benesses, precisa apenas que se reconheça o que é seu por mérito e que a deixem seguir o seu caminho. É que um homem, mesmo que bem intencionado, tem a tendência para estragar tudo ao transformar um direito numa benesse. Mas tudo o que o homem possa dar a uma mulher não é uma benesse. É uma devolução.

Para Oscar Wilde, «a história da mulher é a história da pior tirania que o mundo conheceu: a tirania do mais fraco sobre o mais forte». Deixemos então que a mulher dê continuidade a essa revolução. 365 dias por ano. Revolução que há muito se tornou visível nas universidades. Que a mulher assuma o seu lugar. Não por ser mulher, mas por ser melhor. E que o dia 8 de março faça tanto sentido como assinalarmos o dia internacional da cama feita ao levantar.

O poeta britânico Lord Byron (1788-1824) escreveu que «é mais fácil morrer por uma mulher do que viver com ela todos os dias». Sorri ao ler a frase pela primeira vez. Ainda tentei encontrar alguma ironia masculina em relação ao feitio das mulheres que os homens têm dificuldade em entender. Mas, pensando bem, a única ironia que encontrei foi em relação ao feitio dos homens. Porque amar uma mulher é exigente, quantas vezes uma viagem de olhos vendados em que temos de abrir mão de tudo como única via para termos acesso a tudo. De facto, Lord Byron, dar a a vida por uma mulher é mais fácil que dar a vida a uma mulher todos os dias.

Os heróis da minha vida não tem direito a condecoração no 10 de junho. Não são notícia no jornal. Não se destacaram por atos heroicos. Ser herói uma vez é fácil. Está ao alcance de qualquer um. Em situações extremas, somos mesmo capazes de atos heroicos, descobrimos forças quem nem sabíamos ter. Difícil é ser herói nos pequenos gestos do dia a dia. Quando não está lá ninguém para aplaudir, para escrever a notícia no jornal, para nos dar uma medalha no 10 de junho.

Os meus heróis estão retratados no poema Calçada de Carriche, de António Gedeão, musicado por José Niza e interpretado por Carlos Mendes ou declamado por Odete Santos. «Luísa sobe, sobe a calçada, sobe e não pode, quer vai cansada».

Os meus heróis acordam às seis da manhã. Tomam banho e fazem o pequeno almoço para os filhos. Comem à pressa, levam-nos à escola e vão trabalhar. Ao final do dia, saem do trabalho, enfrentam o frenesim dos transportes públicos, vão às compras e estão à porta da escola para levar os filhos para casa. Dão-lhes banho, preparam o jantar enquanto os ajudam a fazer os trabalhos de casa. À noitinha, deitam os filhos na cama, contam uma história e dão um beijo de boa noite. Sorriem mesmo que lhe apeteça chorar. Entoam cantigas de embalar mesmo quando lhes apetece gritar. Fazem a higiene pessoal e, já dormentes, adormecem exaustos. Todos os dias. 365 dias por ano. Assim são os meus heróis.

Por norma mulheres.

Não conheço mulheres feias. Apenas homens com mau gosto. Nunca fixei uma imagem de uma mulher fisicamente perfeita, com as medidas que alguém considerou certas. Não me despertam curiosidade. Fixo mulheres que têm rugas e imperfeições. Que gosto de percorrer com os dedos numa viagem de permanente descoberta. Gosto de mulheres que têm histórias para me contar.

A notável escritora britânica Virginia Wolf (1882-1941) escreveu que «as mulheres, durante séculos, serviram de espelho aos homens por possuírem o poder mágico e delicioso de refletirem uma imagem do homem duas vezes maior que o natural». É por isso que eu gosto de me ver ao espelho dos olhos de uma mulher. Uma imagem que capturo em fotografia e que me favorece sempre.

Assumindo o risco de não ser popular, devo confessar que não sou particular fã do Dia Internacional da Mulher que se assinala a cada 8 de março. É um péssimo negócio trocar um só dia pelos 365 de cada ano. O dia da mulher é também o dia do homem. Que celebro hoje, amanhã, depois de amanhã, segunda-feira... abril, maio, junho... 2025, 2026, 2027...

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Não há mulheres feias, apenas homens com mau gosto

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07.03.2024

«É mais fácil morrer por uma mulher do que viver com ela todos os dias» - Lord Byron. Do Livro do Desassossego de Jorge Pessoa e Silva

Assumindo o risco de não ser popular, devo confessar que não sou particular fã do Dia Internacional da Mulher. E que se fosse mulher haveria de o declinar sumariamente por não aceitar trocar os 365 dias de cada ano pelo 8 de março. E isso não impediria de, todos os dias, evocarmos a memória das mulheres que, em 1909, se rebelaram pelo direito ao voto nos Estados Unidos, ou, em 1917, marcharam na Rússia contra a fome e a I Guerra Mundial, fenómeno também na génese da Revolução Russa e, ambos, do Dia Internacional da Mulher.

No dia 8 de março eu fico em silêncio. Pelo menos ninguém me pode acusar de hipocrisia. Não vou gostar de muitas das declarações que vou ouvir a boca dos homens. Se eu fosse mulher, mandava-os calar. Nenhum homem deveria poder falar amanhã, muito menos sobre a Mulher. Já chega de paternalismo…

A minha missão como homem não é defender as mulheres, elas fazem isso bem melhor do que eu. O meu papel como homem é amá-las, forma superior de respeito. Não tenho de as compreender, não tenho de saber o que é melhor para elas. Quando se ama, dá-se todas as resposta que a mulher precisa e, não menos importante, que não precisa.

Assumindo o risco de não ser popular, devo confessar que não sou particular fã do........

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