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'Todo favelado tem um diálogo diário com a morte', diz Ronald Lincoln

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06.03.2024

Entrei atrasada em uma conversa lotada da Flip, a tempo de ouvir Ronald Lincoln responder a perguntas que me irritaram em tempo recorde.

Quem aquela senhora achava que era pra julgar pessoas de forma tão altiva, como se o sucesso do jovem escritor demonstrasse que qualquer outro que também nasceu e viveu na favela, mas se desvirtuou do caminho da retidão moral e da licitude, teve escolha de ser diferente?

Mas quem sou eu para achar que podia entender a realidade que também nunca foi a minha e me sentir no direito de julgar os julgamentos alheios?

Sinto-me um pouco mais à vontade para fazer isso depois de ter lido "Disritmia", o livro de estreia do jornalista Ronald Lincoln: um jovem negro, cria do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.

"Disritmia" (ed. Malê) é um verdadeiro alterador de ritmo. Cada conto sobre histórias ficcionais ou não de sua vivência periférica pesa um absurdo e se entranha na gente como luto. Não é possível ser a mesma pessoa depois da sua leitura. Não é possível ver o mundo do mesmo jeito depois de vê-lo pelos olhos de Ronald.

Em 16 contos, o autor nos leva para dentro de casas, escolas, hospital, ônibus, campos de futebol, e faz pessoas que têm escolha o tempo todo entenderem que existe muita gente que realmente não tem. Na quarta capa do seu livro, Rodrigo Santos diz que se trata da "história dos meus, dos seus, contada por um dos nossos". Percebi a potência que isso tem lendo o livro de Ronald, porque, mesmo nas histórias que, de certa forma, já vi sendo contadas no jornal, faltava um sentimento de pertencimento que só entendi nas suas.

Queria ter tido contato com uma obra assim ainda na adolescência, antes de formar os preconceitos que minha classe social, minha cor, meus privilégios lapidaram em mim. Demorei anos a entender quanta bobagem eu pensava antes de entrar na faculdade. Tive que ir atrás de tudo aquilo que não chegaria a mim de outra forma e enfrentar a irritação da minha bolha quando passei a não concordar mais com ela.

Acredito que escrever move o mundo e, depois de ler "Disritmia", acredito mais.

Morte sem Tabu: Por que o título "Disritmia", que dá nome ao livro e a um dos contos?

Ronald Lincoln: O conto que dá nome ao livro foi inspirado na música famosa do Martinho da Vila, na ideia da mulher que tem o poder de hipnotizar, de tirar a disritmia e curar seu nego. Mas a palavra tem significado amplo e dialogou com a ideia da vida no limite, das........

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