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O corpo do pai carregado ao colo

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wednesday

Já não havia nada a fazer. Sabia disso há sete anos. Durante todo esse tempo agonizou com um cancro no esófago, que primeiro lhe retirou a capacidade de comer em família, de saborear os alimentos, de brindar à vida. Eram aquelas sopas trituradas e injetadas à frente de todos, através de uma sonda ligada diretamente ao estômago, na parede abdominal, como forma de manter a ingestão de todos os nutrientes. Levantar a camisa e mostrar os abdominais, num corpo seco, demasiado magro, era rotina para todos, mulher e filhos.

Como era bonito aquele homem, nem as várias sessões de quimioterapia lhe eliminaram as fartas ondas de cabelo, que só com os tratamentos ficaram acinzentadas. Abro aqui um parêntese. Há qualquer coisa de muito belo num homem com um bom cabelo, ligeiramente ondulado, não há? Gabriel já tinha mais de 65 anos e até à chegada da doença, nunca tinha tido um único fio branco. Elegante e alto, e umas mãos grandes, cheias de veias. Percebe-se a beleza, mesmo ali na cama do hospital, onde o seu espelho o acalma.

— Nota-se bem que é filho do Sr. Gabriel —, sorri a enfermeira.

O filho, mais alto do que o pai, moreno, cabelo ondulado, negro, rapado dos lados e uma tatuagem que contrasta com a serenidade e meiguice do olhar. Musculado, dá o ombro com........

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