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Amores platónicos

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13.05.2024

O meu primeiro namorado chamava-se John Lennon e cantava numa banda razoavelmente popular chamada: The Beatles. Eu tinha 6 anos quando me apaixonei por ele e por um descuido cronológico nunca nos chegámos a conhecer, visto que ele morreu exatamente dois anos e três dias antes de eu nascer.

Quando os meus pais me comunicaram que o meu então amado tinha sido assassinado anos antes à porta da sua casa em Nova Iorque, fechei-me no quarto e chorei silenciosamente como uma Julieta que perde inesperada e tragicamente o seu Romeu. Foi sobre o edredão de fibra que verti copiosamente o meu primeiro desgosto romântico, a suspeitar precocemente que seria longa e inacabada a minha incompreensão diante da desordem do Universo, e da impossibilidade aleatória de alguns encontros amorosos. Ficava assim apresentada às angústias do Amor — a abrir a pestana desde a primeira infância.

Prossegui a minha adoração pelos Beatles e, recuperada do desgosto, tive outras relações à distância: dos 10 aos 14 anos namorei com o Josh Brolin, protagonista da então série Os Jovens Cowboys (uma das minhas relações mais longas), relação esta que tive de terminar para poder dar asas à minha paixão pelo vocalista dos Red Hot Chili Peppers: Anthony Kiedis.

Poderão argumentar alguns fanáticos pela veracidade que estas relações não foram reais, que eram meramente fictícias. Mas eu contesto que me apaixonava perdidamente por alguém cujas características (físicas, intelectuais, humanas) me atraiam profunda e visceralmente. E que mesmo que não conhecesse estes sujeitos na sua integridade, todo o restante que eu desconhecia, tudo o que não era demonstrado publicamente e me era oculto, eu encarregava-me de fantasiar e especular — completando a imagem dos meus adorados com as demais características que eu adivinhava e desejava.

Estreitava uma proximidade especulativa, um futuro em conjunto. Esculpia aquela outra metade tão compatível comigo, que me completava na forma de uma concha que se fecha em duas partes, a guardar a pérola do amor. Não me parece muito diferente das paixões de carne e osso, que acontecem todos os dias, e que também começam sempre com uma ficção — uma ilusão quase sempre exagerada........

© PÚBLICO


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