Pode a filosofia salvar o mundo?
Um modo habitual de contar a história da filosofia consiste em descrever a sociedade ateniense do final do século V a.C. como corrompida pela presença de sofistas, que desprezavam a ideia de Verdade e vendiam o seu conhecimento para preparar os jovens para a política. Foi contra estes que Sócrates e Platão se posicionaram, o primeiro demonstrando que os sofistas não sabiam aquilo que diziam saber e o segundo opondo ao relativismo epistemológico as ideias puras de verdadeiro, bom e belo.
Trata-se de uma estratégia narrativa eficaz: usando a lógica de oposição entre bons e maus, reserva-se um lugar especial para a filosofia e para os filósofos, que seriam aqueles que repõem o amor pela sabedoria, pela verdade, pelo conhecimento. O problema é que esta história tem dois problemas.
O primeiro deles resulta de, ao remeter o nascimento da filosofia para Sócrates e, sobretudo, para Platão – a propósito de quem A. N. Whitehead disse que “a caracterização geral mais segura da tradição filosófica europeia é a de que consiste numa série de notas de rodapé a Platão” –, fazer esquecer o contributo dos filósofos pré-socráticos, como Tales e Anaximandro, mas em particular Heraclito e Parménides. Na verdade, a filosofia terá começado com eles e a interrogação “porquê algo em vez de nada?”, que hoje remetemos para aquilo que seria o domínio da física (só mais tarde a filosofia se tornaria meta-física).
O segundo e maior problema é que aquela narrativa tende a esconder um aspeto político fundamental: tanto Sócrates como Platão eram profundamente críticos da democracia, e era esta que justificava a existência de sofistas. Como a democracia ateniense consistia numa democracia direta, em que os cidadãos participavam de diversas formas, em particular na assembleia, o domínio........
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