O problema das reparações
Ta-Nehisi Coates é praticamente desconhecido entre nós, mas é uma referência incontornável nos Estados Unidos desde que publicou, em 2014, um artigo intitulado “The case for reparations” na revista The Atlantic. Embora tenha sido reconhecido como um dos melhores textos de jornalismo daquele ano (os norte-americanos têm um entendimento muito amplo de trabalho jornalístico), o artigo de 15 mil palavras constitui, na verdade, um ensaio sobre as desigualdades raciais nos Estados Unidos com vista a discutir seriamente a proposta de reparações – ao contrário do que fazem comediantes, como Dave Chappelle, que menorizariam, com as suas piadas, “o que era uma ideia séria, incisiva e profundamente inteligente” (The New Yorker).
O sucesso do texto de Coates resulta de o autor ter construído uma narrativa a partir do “último emblema do sonho americano”: ser proprietário da própria casa. Como afirma uma das pessoas entrevistadas no artigo:
“Estava decidida a comprar uma casa. Se toda a gente pode ter uma, eu também quero uma. Eu tinha trabalhado para os brancos no Sul. E vi como os brancos viviam no Norte e pensei: “Um dia vou viver como eles”. Queria ter armários e todas aquelas coisas que as outras pessoas têm.”
O reconhecimento desta humanidade comum e deste desejo comum de ter uma vida melhor transporta-nos, de imediato, para o argumento do autor, que pretende mostrar como, muito depois da 13.ª emenda que aboliu a escravatura em 1865, os negros norte-americanos continuaram a viver em condições de desigualdade. O caso particular da habitação e das dificuldades levantadas aos negros norte-americanos para usufruírem desse direito em condições de igualdade é usado por Coates para defender que os afroamericanos foram alvo de pilhagem e roubo não apenas no período de escravatura, mas também ao longo das décadas seguintes, ao ponto de os impactos se sentirem ainda hoje:
PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR
“Quando as pessoas pensam em reparações, pensam imediatamente em pessoas que já morreram há 100 anos. Mas o argumento que estou a defender é diferente: não, o legado da escravatura prolonga-se na política do governo norte-americano, na política dos estados do Sul profundo, mesmo nas políticas das cidades e estados do Norte muito para além da escravatura. E os efeitos estão aí. E as pessoas que sofreram esses efeitos são as pessoas que foram alvo de........
© Observador
visit website