O medo de estar errado
“Há sempre esperança quando as pessoas são forçadas a escutar os dois lados; é quando prestam atenção a apenas um deles que os erros se solidificam e se tornam preconceitos.”
John Stuart Mill, Sobre a Liberdade
Em 2010, a jornalista Kathryn Schulz debruçou-se sobre um tema improvável: ao invés de escrever sobre os grandes feitos e conquistas da história, dedicou-se, em Being wrong, ao elogio do erro. De acordo com Schulz, “estamos errados sobre o que significa estar errado”: tendemos a considerar o erro como sinal de inferioridade intelectual, falha moral ou mesmo sintoma de indiferença ou intolerância; mas, na verdade, a capacidade de errar é crucial para a cognição humana, está relacionada com algumas das nossas qualidades mais nobres e constitui uma parte vital de como aprendemos e mudamos.
Acreditar que estamos certos consiste num mecanismo de sobrevivência: precisamos dessa certeza para responder aos desafios naturais e sociais e não paralisarmos sob o poder da dúvida. Foi provavelmente por esse motivo que o nosso cérebro desenvolveu o viés de confirmação, fazendo-nos procurar informações que confirmam as nossas crenças anteriores. E quando nos pedem para descrever o que sentimos quando sabemos estar errados, falamos em embaraço, vergonha e muito desconforto – reações que nos levam a recear estar errados. Mesmo sabendo que é impossível estarmos sempre certos, sentimo-nos como Molière (numa frase que Schulz cita, mas que não consegui referenciar): “enfurece-me estar errado quando sei que estou certo”.
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O objetivo de Schulz é chamar a atenção para a importância do erro: errar é fundamental para que possamos melhorar, pessoal e coletivamente: “graças ao erro, podemos rever o nosso entendimento de nós mesmos e corrigir as nossas ideias acerca do mundo”. E assim, quanto mais as sociedades estão abertas ao erro e à humildade de reconhecer que podem não ter razão – por mais que isso nos enfureça – mais capazes são de se aperfeiçoar. E não há melhor fórmula política para esse tipo de sociedades do que garantir uma ampla liberdade de pensamento e expressão.
Passaram mais de 160 anos desde que John Stuart Mill publicou o seu Sobre a Liberdade, a que já recorremos a propósito de outro tema. Mas o segundo capítulo deste livro, dedicado à liberdade de expressão, continua a ser o texto de referência sobre este assunto: os seus argumentos continuam a ser considerados a melhor defesa filosófica da liberdade de expressão, e embora não convençam todos, obrigam aqueles que consideram que esta liberdade é sobrevalorizada a........
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