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Ventura no país dos netos

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03.12.2025

Em 2025, o país está, aproximadamente, à mesma distância temporal do 25 de Abril de 1974 da que tinha no ano da queda do Estado Novo para o 28 de Maio de 1926. Há 100 anos, o país vivia saturado da desordem, do caos, do fracasso político e social, da natureza sanguinária da 1.ª República, e viu no autoritarismo conservador, uma espécie de ditadura de sinal contrário, uma resposta. Há 50 anos, e apesar dos sucessos económicos, educativos e sociais da ditadura, o país, cansado de enviar filhos para uma guerra longa, incompreendida e contemporaneamente deslocada, aderiu rápida e facilmente à queda provocada de um regime caduco e amorfo. Por um triz não caímos novamente numa ditadura de sinal contrário, instaurando-se um regime que se virava para a Europa ocidental, para os direitos, liberdades e garantias, sem prisões políticas, sem torturas e sem censura. O consenso formou-se numa espécie de mecanismos de polarização negativa face ao comunismo, só extinto com as vitórias da AD em 1979, que centrou a polarização política pacífica entre um grande partido de centro-esquerda e uma grande força federadora de centro-direita, ou de natureza não socialista. Os primeiros vinte e cinco anos de democracia foram, apesar das dificuldades conhecidas, de sucesso assinalável – pese embora a hegemonia cultural que Novembro deu ao PCP, e a hegemonia política que deu ao PS. Até que se foi tornando, tal como aconteceu com o Estado Novo, num regime de puro situacionismo de instalados, crente na natureza apolítica ou despolitizada do seu povo, e absolutamente segura de que seria no reino da tecnocracia que esse mesmo situacionismo se manteria. A democracia está a cometer os mesmos erros da ditadura, e provocados pelos principais agentes da queda desta última.

A geração de Abril, que hoje se aproxima dos 80 anos de idade, continua a olhar para o passado e para o presente com a mesma arrogância que tinha na juventude: a de quem acredita que refundou o mundo ou, pelo menos, que criou um país absolutamente novo, à sua imagem. Em 1974, ninguém olhava para trás com receio da 1.ª República, como será expectável que hoje ninguém entre os 18 e os 40 anos olhe para trás com medo da ameaça real de uma ditadura, da ausência de liberdades que se tornaram tão consensuais como a República. A história, se não se repete, pelo menos rima. A geração mais jovem chegou à idade adulta sem referenciais positivos do regime em que vive, com excepção da polarização negativa face a uma ditadura que está a mais anos de distância do que a 2.ª Guerra Mundial estava da geração de Abril.

Trata-se de uma geração que chegou à idade adulta num país sistematicamente falido, endividado, a viver de crise em crise, de mão estendida à Europa, sitiado por uma clique que não se renovou ou que, quando se renova, parece fazê-lo por mimetismo e reprodução de siameses políticos, e por uma casta, a que se convencionou chamar elite, que se perpetua por inércia.

André........

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