A soberania do código e a autonomia tecnológica
1.A controvérsia sobre o orçamento do Tribunal Constitucional e a independência dos tribunais
A recente controvérsia em torno do orçamento do Tribunal Constitucional para 2025, marcada pela recusa governamental em reforçar a cabimentação orçamental para o financiamento de uma plataforma eletrónica autónoma que substitua a tramitação em papel, trouxe para a praça pública um debate que transcende a mera gestão financeira. A notícia de que este Tribunal Superior será, no próximo ano, o “único” tribunal do país a tramitar em papel pode, à primeira vista, sugerir um anacronismo inaceitável face à oferta de recursos tecnológicos do Ministério da Justiça, como as plataformas Citius, Magistratus ou e-Tribunais. Contudo, uma análise fina revela que a resistência do palácio Ratton em integrar sistemas partilhados sob gestão do executivo não é um capricho corporativo, mas um ato de defesa da sua soberania institucional.
Esta tensão não é isolada. Ela reflete uma fragilidade estrutural no modelo português de governação da justiça, onde a eficiência administrativa e tecnológica desejada pelo Governo (Ministério da Justiça) colide frequentemente com a independência jurisdicional exigida pelo Estado de Direito. Num sistema caracterizado por uma ordem plural de tribunais — Judiciais, Administrativos e Fiscais, Constitucional e de Contas — e por uma zona de governação partilhada, a tecnologia tornou-se o novo campo de batalha da democracia liberal (separação de poderes). A insistência do Tribunal Constitucional numa plataforma própria, orçada em 750 mil euros, deve ser lida não como um desperdício, mas como o inevitável custo da sua independência.
2.Das cinzas de 2014 ao “outubro Negro” de 2025: a debilidade do modelo centralizado
A desconfiança dos tribunais face à gestão tecnológica governamental não é teórica; é empírica e fundamentada num histórico de falhas sistémicas. A digitalização da justiça em Portugal tem sido marcada por um padrão cíclico de rutura e algum remendo.
A memória coletiva judiciária recorda vividamente o colapso de setembro de 2014, quando a migração digital para o novo mapa judiciário resultou na paralisia dos tribunais durante 44 dias. Uma década depois, a história repetiu-se com contornos igualmente graves. Em outubro de 2025, a migração dos sistemas da jurisdição administrativa e fiscal (SITAF) para a plataforma unificada Citius/eTribunal precipitou o que já se designa como o “Outubro Negro”.
O que fora planeado como uma operação técnica controlada transformou-se num caos operacional: cerca de 140.000 processos relacionados com imigração e asilo (AIMA) ficaram “invisíveis” ou foram incorretamente encaminhados, num erro com nefastas consequências humanitárias e jurídicas. Mais grave ainda, foram reportadas algumas deficiências muito graves, com a distribuição algorítmica a atribuir processos a magistrados errados (a ter por consequência a violação do juiz natural) ou a fazer desaparecer pendências das listagens oficiais.
Estes episódios demonstram que a concentração da gestão tecnológica no Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) — um instituto público tutelado pelo Ministério da Justiça — cria um ponto único de falha e uma dependência funcional inaceitável. Quando o sistema falha, a suspensão da justiça não é decretada por um........





















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