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Quatro escritores russos, em tempo de Páscoa

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30.03.2024

Em A Ideia Russa, o historiador Nicolai Berdyaev defende que as figuras do pensamento religioso russo e da busca religiosa no século XIX não foram filósofos, mas romancistas, como Dostoievski e Leo Tolstoi.

Para o autor de As raízes e o sentido do comunismo russo e de outras obras fundamentais para o entendimento da Rússia e do comunismo, a ficção de Dostoievski é comparável, em novidade e alcance, à obra de Nietzsche ou de Kierkegaard, já que é, fundamentalmente, ao escritor de Crime e Castigo que se deve toda uma “nova antropologia”, que encara o homem como “uma criatura contraditória, trágica, altamente infeliz; e não apenas sofredora, mas amante do sofrimento”.

Mas se o sofrimento e a redenção pelo sofrimento estão presentes em toda a obra de Dostoievski, estão-no especialmente no “Grande Inquisidor”, uma parábola contada por Ivan a Aliócha nos Irmãos Karamazov. Na parábola, Cristo, o Cristo evangélico, reaparece em Sevilha, no século XVI; anda nas ruas, o povo reconhece-o, faz milagres, cura doentes, ressuscita uma menina. Entretanto – estamos na Espanha da época áurea da Inquisição – chega o Grande Inquisidor, manda prender Cristo e interroga-o. O Grande Inquisidor encara a liberdade do Homem, a que lhe permite pecar e perder-se, como um risco desnecessário, e considera Cristo um perigo para a humanidade, porque entrega a Liberdade aos homens, incapazes de a usarem com discernimento. E assim o Inquisidor volta a condenar Cristo. Para ele só pelos caminhos do Mal, do Demónio, se pode chegar à unidade dos homens: é preciso dar-lhes pão, satisfazer-lhes as necessidades básicas e, porque é “fraca, pecaminosa e ignóbil” a raça a que pertencem, controlar-lhes a consciência e a livre expressão. Jesus cala-se perante o discurso do Inquisidor. A história é ambígua; o Inquisidor parece um pessimista antropológico, que enuncia as grandes forças que movem a Terra e os homens – que não são a Liberdade, o livre arbítrio, a Verdade, a Justiça, o Amor, mas o milagre, o mistério e a autoridade. Cristo não lhe responde, permanece calado durante todo o interrogatório.

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Leo Tolstoi não vai tão fundo como Dostoievski na ética cristã, mas é, para Nobokov, o maior dos escritores russos, um “pregador” laico que influenciou com as suas histórias largos círculos da Intelligentsia e da sociedade. Tolstoi lutava pelo aperfeiçoamento da escrita e da ficção, mas era também um moralista com uma ética de Sermão da Montanha, incutindo o complexo de culpa nas classes altas. Como insistia Nabokov, o autor de Guerra e Paz mantinha, na sua alma e na sua pena, um diálogo ou um combate entre a ética e a estética, entre o pregador e o artista, sempre à procura da Verdade absoluta, da Istina, que não significa o mesmo que Pravda, que é apenas a verdade relativa.

A Istina é, para Nabokov, a verdade essencial, a verdade........

© Observador


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